Vou tentar esclarecer essa questão de “marchas simuladas” nos câmbios CVT.
Os “câmbios” desse tipo são do tipo continuamente variável, não se escolhem marchas. No conceito original, entre duas relações, uma alta (curta) e outra baixa (longa), há uma variação contínua entre esses extremos que depende da rotação do motor, do quanto ele está acelerado, e da velocidade do veículo.
O coração do câmbio CVT consiste de duas polias em “V” uma motora e outra, movida, que têm a propriedade construtiva de poderem variar a largura do “V” segundo os parâmetros citados acima. Como as duas polias são ligadas por uma correia metálica, quando a largura do “V” aumenta, a correia se desloca em direção ao centro; quando a largura do “V” diminui, a correia de desloca em direção à periferia.
Toda polia de um sistema de tração, como a de um alternador, tem um diâmetro definido pelo ponto onde a correia a “abraça”. Com a variação da largura do “V” e a movimentação da correia explicada acima, têm-se variação do diâmetro, que é o fundamento de todo sistema de transmissão de movimento, seja por polias, seja por engrenagens. A animação a seguir mostra claramente como ocorre a variação de diâmetros:
As duas polias do câmbio CVT são antagônicas, isto é, enquanto uma aumenta a largura do “V”, a outra diminui,, como mostra a animação, dessa forma ocorrendo variação dos diâmetros dos pontos onde a correia faz contato. Como são sempre dois diâmetros, tem-se uma relação de transmissão exatamente como se fossem duas engrenagens com seus dentes.
Até aqui o leitor ou leitora já sabe como são as relações de transmissão de um câmbio CVT, sempre calcadas em diâmetros que variam continuamente nas duas polias. E, é logico, as relações também.
Grande solução, mas trouxe um problema
Quando os irmãos holandeses Hub e Vim van Doorne idealizaram, no começo dos anos 1950, o câmbio a que deram o nome de Continuously Variable Transmission (CVT), transmissão (ou câmbio) continuamente variável, basearam-na noção — correta — que para cada velocidade (e a potência necessária) haveria uma combinação ideal de carga no motor (aceleração) e sua rotação, obtendo-se o menor consumo para a velocidade desejada. Tal combinação é impossível com um câmbio convencional de relações de marchas fixas.
O primeiro carro com câmbio CVT foi o DAF 600, apresentado em 1958. O nome do câmbio era Variomatic e tinha dois conjuntos de polia variáveis, correias de borracha e com tração traseira.
Dirigir um carro com câmbio CVT é totalmente diferente de dirigir um com câmbio convencional. Carro parado, acelera-se, a rotação do motor aumenta até o ponto em que se acelerou e aí permanece, não aumenta nem diminui. O carro vai ganhando velocidade à medida que a relação vai alongando automaticamente até o carro atingir a velocidade desejada.
Experimenta-se a mesma sensação estando num avião no momento da decolagem: motores acelerados ao máximo e o avião ir ganhando velocidade na pista até chegar à qual as asas gerem sustentação e o avião saia do chão.
Muito bom, não é? O câmbio CVT ajusta a relação ideal para cada situação continuamente.
Só que nem todos os motoristas apreciam esta característica de operação do CVT. Toda uma vida dirigindo carros em que a velocidade acompanha a rotação e marchas vão sendo trocadas, seja com câmbio manual ou automático, e na hora de dirigir um carro com câmbio CVT vem a natural estranheza.
Essa sensação foi muito bem verbalizada pelo saudoso Josias Silveira: “o motor vai e o carro fica”. Melhor do que a verbalização mais comum, a de efeito de elástico”.
Como foi resolvido
Como a indústria automobilística tencionasse continuar com o CVT, por ser mais simples e algo mais barato do que um câmbio automático epicíclico (o “convencional”) e adequado aos carros compactos e médios-compactos, alguém, pensou que se variação da largura do “V” das polias deixasse de ser contínua e passasse a obedecer a um controlador específico de modo a variar em degraus, haveria marchas como em qualquer câmbio não CVT.
Foi daí que se originaram as “marchas simuladas”, um conceito errado, pois são marchas reais, só que baseadas em diâmetros em vez do número de dentes de engrenagens. Aliás. é bom saber que toda engrenagem, ao ser desenhada e calculada, tem seu diâmetro primitivo (dp), os dentes só servindo para impedir deslizamento.
O recente Renault Captur 2022 traz na ficha técnica a seguinte informação de câmbio:
RELAÇÕES DAS MARCHAS
Modo automático: 2,631:1 a 0,378:1
Modo manual: 1ª 2,609; 2ª 1,751; 3ª 1,255; 4ª 0,964; 5ª 0,756; 6ª 0,602; 7ª 0,491; 8ª 0,411
Você ainda acha que as marchas de um CVT são simuladas?
BS