Eu não acredito nos resultados dos testes feitos Latin NCAP para aferir o nível de proteção em caso de acidente aos ocupantes dos automóveis comercializados no Brasil. Seus critérios são nebulosos, mal explicados e a entidade uruguaia se contradiz em suas próprias avaliações. E descobri a companhia de um jornalista argentino que também questiona a seriedade de seu comportamento.
A gota d’água que fez entornar o balde foi o crash test em julho deste ano de um Jeep Renegade (resto de estoque) encontrado numa loja do Panamá. Um modelo que, quando lançado em 2015, recebeu cinco estrelas do Latin NCAP. Enquanto o novo Renegade, fabricado desde 2022, tem seis bolsas infláveis, o testado tinha apenas duas. Natural o péssimo resultado: perdeu quatro das cinco estrelas que ganhara. Obvio que o Latin NCAP não trata com imparcialidade todas as fábricas presentes na região.
A versão original do VW Virtus produzida no Brasil recebeu cinco estrelas da entidade uruguaia. Depois, testou uma nova versão fabricada na Índia, também aprovada. E a produzida no Brasil? Neste caso, os uruguaios não acharam necessário realizar testes, mas apenas uma “auditoria” para comprovar que o carro brasileiro recebera as mesmas alterações introduzidas na Índia, como se todos os componentes do carro indiano fossem idênticos aos nossos…
Recebo uma saraivada de críticas cada vez que questiono o Latin NCAP. Há quem diga que “ruim com ela, pior sem ela”. A imprensa brasileira pouco se preocupa com seus mal-explicados critérios e publica sem questionar seus resultados muitas vezes enganosos e tendenciosos.
Argentino também desconfia
Mas apareceu outro jornalista que estranhou o procedimento do Latin NCAP, o argentino Martin Simacourbe (AutoWeb) que também faz duras críticas aos uruguaios. Ele analisou os modelos testados pela entidade uruguaia desde que se instalou (2010) e afirma que ela não trata as marcas igualmente. Diz que, por exemplo, em cinco anos (2013 a 2017), foram testados 10 modelos da GM, “um volume que não se repetiu em nenhuma outra fabricante. E que oito deles receberam zero estrela, um ficou com 3 e outro com 4”.
A partir de 2018, o jornalista percebeu que a GM “quis limpar sua imagem depois de tantos resultados ruins” e decidiu então “bancar” (pagar) os testes de oito novos modelos que receberam uma pilha de estrelas, verdadeira “constelação”, dos uruguaios. E que sequer criticaram o Chevrolet Aveo vendido no México somente com duas bolsas infláveis e sem controle de estabilkidade.
Tracker: aprovado mesmo com incêndio!
O jornalista argentino estranha também a súbita mudança de critério do Latin NCAP: “Recentemente um Chevrolet Tracker recebeu cinco estrelas mesmo apesar de um incêndio durante os testes, o que jamais teria sido perdoado em outro modelo” (o sistema pirotécnico de disparo do pré-tensionador do cinto provocou um incêndio no interior do carro, segundo a própria entidade).
Martin ressalta que a nova vítima dos uruguaios é a Stellantis e suas suspeitas se confirmaram há alguns meses, a partir do teste estapafúrdio com o Jeep Renegade encontrado do Panamá. Ele aponta objetivamente que “a régua não é a mesma para todos”, pois os uruguaios acusaram a Jeep de anunciar um teste realizado há mais de cinco anos, mas “se esqueceu” de que a Volkswagen fez o mesmo com o Virtus na Colômbia.
Continua afirmando que “o Latin NCAP parece fazer vista grossa com a VW, com quem ‘se dá muito bem’ desde que surgiu a entidade”. E lembra que anunciou as cinco estrelas do novo Virtus produzido na Índia, logo confirmado com uma unidade brasileira, enquanto na Argentina e em outros países se vendia o modelo anterior, sem nenhuma explicação.
Não perdoou também a absoluta falta de critério da entidade ao jogar um antigo Peugeot Partner Patagónico (de três gerações atrás) contra um Peugeot Rifter (não vendido na Argentina), de projeto novo. “Oxalá, (diz ele) sejam tão exigentes com a nova VW Amarok”.
Martin Simacourbe encerra sua excelente matéria afirmando que “há tempos tenho a sensação de que o Latin NCAP denuncia quem tem vontade de denunciar (motivado sabe-se lá por quê) e não pela realidade dos fatos. Eles devem ter suas razões para este procedimento. Mas eu tenho as minhas para pensar que nem tudo é tão altruísta como nos vendem”.
Resultado fidedigno? Só pagando!
Para fechar o ano com “chave de ouro”: no último teste divulgado em 2023, ela conferiu apenas duas estrelas ao Fiat Pulse. Mas ela se confunde ao explicar o critério, pois declara “boa proteção” na maioria dos itens considerados nos testes de impacto. Ou seja, o carro foi aprovado no crash test mas perdeu pontos em critérios subjetivos, como o dos Sistemas Avançados de Assistência ao Motorista (Adas).
A fábrica, consultada, acusa a entidade uruguaia de testar um modelo não mais produzido, mais ou menos como no caso do Renegade. Informou à Latin NCAP já estar fabricando uma versão mais completa em termos de segurança, mas os uruguaios exigiram mais uma vez — como no caso do Renegade — que a Stellantis patrocinasse o teste (pela bagatela de 500 mil euros, equivalente a 2,685 milhões de reais) se tivesse interesse em que fosse testado o novo modelo.
Aliás, para que um carro da Volkswagen, no dia de seu lançamento à imprensa, já tivesse sido contemplado com cinco estrelas pelo Sr. Furas, só mesmo com um teste “patrocinado” pela fabricante, pois o modelo obviamente ainda não estava disponível nas concessionárias. Fosse minimante ético, o Latin NCAP faria constar em seu site se o teste foi realizado às expensas da fabricante ou dela própria.
Por essas e por várias outras, avalizo integralmente as desconfianças de Martin Simacourbe em relação ao Latin NCAP, pois seus critérios são cada vez mais duvidosos e nem sempre a segurança é prioridade para seu secretário-geral, sr. Alejandro Furas.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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