A foto de abertura revela o segredo do “Zwitter”, que tem as duas janelinhas traseiras mas já com o painel dos VW Käfer de janela traseira inteiriça oval. E isto de fábrica como será visto adiante.
O que quer dizer Zwitter? Entre as traduções existentes a que mais se aplica ao caso é híbrido no seu sentido lato (nada a ver com os tipos de carros eletrificados atuais), ou seja, o que tem duas características ao mesmo tempo.
Hoje em dia os VW Fuscas de duas janelinhas já se tornaram muito raros no cenário do Volkswagens clássicos. Logo depois do término da Segunda Guerra Mundial, sob a direção do Major Ivan Hirst, das forças de ocupação britânicas, recomeçou a produção de VW Käfer em Wolfsburg, mas os carros eram direcionados para as forças de ocupação da parte ocidental da Alemanha, a saber: França, Grã-Bretanha e Estados Unidos. O quarto aliado, a URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, tinha se segregado na parte oriental da Alemanha.
As vendas para o público começaram timidamente a partir de julho de 1946, inicialmente para a Alemanha e a primeira exportação foi para a Holanda em agosto de 1947. Em janeiro de 1948 a fabricante voltou para a direção alemã, foi quando Heinrich “Heinz” Nordhoff assumiu o posto de diretor-superintendente da empresa dando um grande incremento aos esforços de vendas, em especial de exportação.
Em 20 de junho de 1948 ocorreu a conversão da moeda de Reichmark (RM), moeda alemã desde 1924, para Deutsche Mark (DM), marco alemão, momento em que o mercado alemão se tornava aberto, qualquer pessoa podia comprar o que quisesse, inclusive e naturalmente, Volkswagens, abrindo o caminho para uma economia mais estável. O fato foi favorável para a Volkswagen que engatou uma marcha acelerada rumo ao sucesso.
Os VW Käfer de 1945 eram muito parecidos com os KdF-Wagen (carros produzidos durante a guerra ) e mantiveram a sua aparência apesar de aspectos que foram sendo atualizados. Como os para-choques com sulco, a retirada da manivela de partida em outubro de 1949, a introdução das portinholas de ventilação nas laterais dianteiras dos carros, que ficaram só em 1951, e assim por diante, mas na aparência externa muito pouco mudava.
Abaixo a foto de um VW Käfer ano 1951 com a portinhola de ventilação na lateral dianteira esquerda aberta. No inverno a vedação deixava entrar ar frio que ia direto para as pernas (em especial joelhos) do motorista e do passageiro do banco da frente. Este fato rendeu um apelido bizarro destas portinholas: “Rheumaklappe” – aba de reumatismo, pois quem tinha esta doença sofria muito no inverno — talvez em função disto estas portinholas de ventilação só saíram em 1951. Este modelo ainda não tinha quebra-vento nas janelas dianteiras.
Ah, em tempo, este modelo originalmente não tinha pisca-pisca no para-lama dianteiro, o que aparece na foto foi acrescentado devido a exigências atuais de sinalização para poder circular na Alemanha. Certamente vocês já devem ter visto uma série de adaptações em carros antigos na Alemanha neste sentido para poder circular (meu VW Fusca tem lanternas Hella na dianteira para dar o pisca, atrás eu usei a luz de freio também como luz de pisca).
No entanto, a monotonia não durou muito tempo, pois o Zwitter foi lançado em 1º de outubro de 1952 dando uma chacoalhada no mercado de carros novos da época. Sua produção não durou muito, mas terminou em 9 de março de 1953 com o chassi número 1-045495 depois de 70.000 unidades fabricadas.
No caso concreto da Volkswagen, o VW Käfer Zwitter era um meio-termo entre o modelo de duas janelinhas (apelidado de “Brezel” na Alemanha), de quem manteve as duas janelinhas, porém já incorporando as alterações do futuro modelo com janelinha única oval (chamado de “Ovali” na Alemanha). O Zwitter tinha o painel do Ovali, bem como uma série de modificações/modernizações técnicas e estéticas.
Mas, o que mudou com o Zwitter em relação ao Brezel original?
-O painel foi totalmente redesenhado. O porta-luvas esquerdo foi eliminado, o velocímetro passou para o lado do motorista, o interruptor do indicador de direção (no caso bananinha com lâmpada) central passou para a esquerda do volante e foi substituído por uma alavanca. Da mesma forma o botão de partida, que foi colocado à esquerda do volante ao lado do velocímetro. O velocímetro foi redesenhado com um diâmetro de instalação de 110 mm.
-O muito popular quebra-vento foi introduzido nas janelas do condutor e do passageiro.
-A luminária de placa (cujo apelido na Alemanha era “nariz de Papa”) no capô do motor foi substituída por uma luz de placa mais plana e curva.
-As lanternas traseiras foram alteradas. A luz de freio passou do “nariz de Papa” para a área superior das lanternas traseiras (tipo coraçãozinho), que os primeiros Ovalis também mantiveram por um tempo.
-A tampa do motor recebeu uma maçaneta articulada transversal.
-As gradinhas decorativas nos para-lamas dianteiros passaram de circulares para ovais.
-Os pneus ficaram menores, porém mais largos (de 5,00-16 a 5,60-15).
-Introdução do câmbio com sincronização da 2ª, 3ª e 4ª marchas no modelo de exportação. A 1ª continuava “seca” – sem sincronizador.
-A iluminação interior muda da parte traseira acima das duas janelinhas para a dianteira esquerda ao lado do motorista, acima da alça de apoio.
-Barras de torção de seis laminas no eixo dianteiro, bem como suspensão dianteira e traseira modificadas.
-O botão da buzina no volante recebeu o brasão de Wolfsburg, e no capô do porta-malas foi acrescentado um escudo com o brasão de Wolfsburg. isto para o modelo de exportação.
E não parou por aí, a lista final de alteração foi maior ainda, mas estas são as mais significativas.
Basicamente, o Ovali deveria ter entrado em produção cinco meses antes. No entanto, ainda havia muitos componentes de carroceria remanescentes do Brezel, que precisavam ser usados primeiro. Portanto, basicamente, o Zwitter é tecnicamente muito semelhante ao seu sucessor, o Ovali. O Ovali foi produzido por muito mais tempo, ou seja, de 10 de março de 1953 até 31 de julho de 1957, inclusive, até ser substituído pelo “Käfer de janela traseira retangular” em 1º de agosto de 1957.
Um Zwitter no Brasil
Em novembro de 2012 eu participei do SIVA – Salão Internacional de Veículos Antigos, realizado no Pavilhão de Exposições do Anhembi. Eu apresentei o meu primeiro livro no estande do VolksPorsche, do amigo Luciano Luiz de Abreu. Um dos carros expostos pelo Luciano era o Zwitter de Walter Bhering que conseguiu várias peças daquele carro na Alemanha:
Certamente este não é o único exemplar de Zwitter existente no Brasil.
Este assunto me veio à mente depois de uma pergunta de Fábio Donato que recebi através do WhatsApp. A pesquisa que fiz encontrou o excelente site do “1. Kärntner VW Käfer Club” – Primeiro clube de VW Käfer de Kärnten, que é uma região ao sul da Áustria. O trabalho sobre o Zwitter foi feito por Werner Robin, secretário do clube. Ele fez referência ao trabalho do “VW-Oldimerfreunde Kaiserslauten” – Amigos dos VW Antigos de Keiserslauten, cidade alemã do sul do estado de Rheinland-Pfalz, que fez um registro com fotos das alterações que ocorreram com os VW Käfer no decorrer do tempo.
Estes modelos mais antigos são raros no Brasil, então o recurso de apresentar fotos com a mudança ajudam a entender a evolução que ocorreu, do antes ao depois. As fotos disponíveis no site do “VW-Oldimerfreunde Kaiserslauten” são de baixa resolução, eu as ampliei ao máximo possível.
AG
Além das fontes já indicadas, foram pesquisados os seguintes sites: hymanltd.com – com as fotos do Zwitter preto que estava à venda; o site do clube de Kärnten – vw-kaeferclub-kaernten.at; o site do clube de Kaiserslauten – vwoldtimerfreunde-kl.de; vw-scene.de; vau-max.de; kleinanzeigen.de – com a foto do Brezel azul; Wikipedia e outros.
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