A indústria automobilística no país começou a florescer quando o então presidente Juscelino Kubitschek, empossado em 31/01/1956, começou a levar adiante seu plano de metas que incluía fomentar essa indústria. Para isso criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), um grupo supraministerial que negociasse diretamente com fabricantes sua vinda para cá oferecendo incentivos fiscais, com o compromisso de nacionalização progressiva dos veículos. A partir daí a indústria avançou a passos largos.
Desde então, alguns motores marcaram presença nesses quase 70 anos da produção de automóveis no Brasil. Por isso, elenquei, em duas matérias — esta é a primeira — quais motores foram fabricados por maior tempo e em volume maior da nossa indústria. A ordem não é cronológica.
Fiat Fiasa – 37 anos
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Fazendo contas e olhando o mercado, um dos motores mais populares e reconhecidos que tivemos foi o Fiasa (sigla de “Fiat Automóveis S/A”). Ele estreou mundialmente em setembro de 1976 no primeiro 147 com cilindrada de 1.049 cm³, sendo aumentado logo depois para 1.297 cm³ (que originou o primeiro motor a álcool de produção em série do mundo). Depois de receber alterações, chegou até mesmo a ter uma versão de 1.499 cm³, largamente utilizada principalmente nos veículos profissionais ou maiores, pelo maior torque e boa potência em baixas rotações. Esteve, além do 147, na Panorama, Pick-Up (depois Fiorino), Uno, Prêmio, Elba, Palio, Siena, Palio Weekend e Strada. Sem esquecer do 994-cm³ do Uno Mille, versão lançada em agosto de 1990 que ficou em produção até dezembro de 2013, nada menos que 24 anos.
VW EA 827 – 38 anos

O consagrado motor VW EA 827 foi, sem dúvida, um dos grandes queridinhos do Brasil. Essa preferência nacional permitiu sua longevidade nos carros nacionais da marca por cerca de 38 anos. Lançado no Passat em 1974 com cilindrada de 1.471 cm³ (76,5 x 80 mm), com outro nome (“BR 1.5”), e dois anos depois chegou ao Passat TS com 1.588 cm³ ( “BS 1.6”), 79,5 x 80 mm. Em 1982 foi reformulado para reduzir o consumo de combustível e passou a ser chamado de MD-270, oferecido apenas na versão de 1.588 cm³. MD é sigla em alemão de Máximo Torque (Maximales Drehmoment) e 270, a duração do comando de válvulas em graus, mais “manso”. Ficou conhecido como “Motor Torque).

O lançamento do Santana e do Gol GT, em 1984, viu chegar a nova geração do motor EA827, de 1.781 cm³ (81 x 86,4 mm), passando a ser o famoso AP800” (“Alta Performance”). Eram iguais a não ser pelo comando de válvulas diferente no Gol GT, o mesmo do Golf GTI alemão, com isso se chamando AP800 S. Em 1986, com a mudança radical do motor MD270 para AP600, mesmo bloco do AP800 mas com diâmetro e curso 81 x 77,4 mm (1.595 cm³) ,e compartilhando as mesmas bielas de 144 mm e o cabeçote com válvulas de 38 mm (admissão) e 33 mm (escapamento).
Mas com a formação da Autolatina em 1987 e a inclusão do motor Ford 1,6 CHT na linha VW, em que passou a se chamar AE1600 (“Alta Economia”), o número que exprimia a cilindrada dos AP passou a ser de quatro dígitos, AP1600 e AP1800. Em 1988 o EA 827 AP1800 cresceu mais uma vez, para 1.984 cm³ (82,5 x 92,8 mm) e propulsionaria o Santana 2000 e o Gol GTi.
O motor AP1600 encerrou sua gloriosa carreira no Brasil na camioneta Parati em 30 de junho de 2012 Nesses 38 anos, graças à durabilidade, fácil manutenção e robustez, acabou ganhando confiança do público, e moveu desde Gol até Quantum. Como curiosidade, o AP1800 esteve também sob o capô dos Ford Del Rey, Belina e Pampa, na época da Autolatina, e na traseira do Kombi Diesel de 1981 a 1985, também de 1.588 cm³, mas de 76,5 x 86,4 mm.

Renault Cléon-Fonte – 28 anos
Era hábito da Renault nomear seus motores pela cidade onde eram fabricados. O primeiro que conhecemos na indústria aqui instalada foi o motor “Billancourt” do Dauphine em 1959. Um 4-cilindros em linha de 845 cm³ (58 x 80 mm) arrefecido a líquido, 26 cv, nascido em 1957 na França. O mesmo motor, com modificações, passou a 32 cv no Gordini e 42 cv, no Renault 1093. Como os cilindros eram camisas removíveis, havia kits de camisas de 60 e 63 mm, o que elevava a cilindrada para 904 e 998 cm³, respectivamente. Substituição simples, nem retirar o motor precisava. Embora um bom, econômico e confiável motor pequeno, não podia crescer além disso e, pior, o virabrequim só tinha três mancais de apoio.
Isso levou a Renault a projetar novo motor, lançado na Europa no Salão de Genebra de 1962, com o destaque de ter cinco mancais. O motor se chamava Cléon, onde estava a supermoderna fábrica Renault, a primeira a produzi-lo. Como havia blocos de ferro fundido e de alumínio, ao nome Cléon se juntaram Alu (alumínio) e Fonte (ferro fundido em francês). Como no motor Billancourt, o cabeçote era de alumínio e a arquitetura, a mesma, comando no bloco e válvulas atuadas por varetas e balancins.
O Cléon-Fonte nasceu com 956 cm³ e foi projetado prevendo várias cilindradas, podendo chegar a 1.596 cm³. Foi lançado com a cilindrada inicial nos Renault Floride e R-8.

Com é amplamente sabido, o Ford Corcel é na verdade o Renault 12 com desenho da carroceria diferente. Era para ter sido lançado pela Willys-Overland do Brasil, que tinha participação de 15% da Renault. Na Willys o Renault 12 tinha codinome “Projeto M” (de médio)., mas o fabricante acabou sendo absorvido pela Ford Brasil em 1967 que, por almejar ter um carro médio (tinha só o Galaxie) deu-lhe o nome de Corcel e lançou-o em 1968 no Salão do Automóvel daquele ano, o último no Ibirapuera. Como o motor previsto para o Renault 12 era o Cléon-Fonte, o projeto do “M” apenas trocou de mãos.
O motor era de 1.289 cm³ (73 x 77 mm), depois 1.397 cm³ (76 x 77 mm) já no Corcel II, que teve também o de 1.555 cm³ (77 x 84,5 mm). Esses dois Cléon-Fonte movimentaram Escort, Del Rey, Pampa e afins, depois chegando até mesmo aos VW Gol, Voyage e Parati nos anos 1990 (período Autolatina, até 1996).

Acabou saindo de linha em definitivo em 1996, quando existia numa versão 1,0 8v (AE 1000) no VW Gol 1000i, já com injeção eletrônica. De populares, passou por esportivos, utilitários, familiares, com diferentes nomes (Cléon-Fonte, CHT e AE).

GM Família I e Família II – 43 anos
Esses motores, fabricados pela General Motors do Brasil, são frutos de um projeto da Opel alemã, de propriedade da General Motors Corporation de 1927 a 2017, quando foi vendida para a PSA Peugeot Citroën. Apesar dos nomes de batismo diferentes, basicamente são o mesmo motor, apenas com dimensões diferentes no bloco e cabeçote. Tanto é que foram projetados juntos na Europa, e apresentados simultaneamente em 1979 no Velho Continente. Aqui no Brasil, nasceu primeiro como Família II no Monza, em 1982, na versão 1,6 (depois 1,8, 2,0, 2,2 e 2,4, este último aposentado em 2016.

Já a Família I, com cabeçote e bloco menores, chegou para nós no Corsa Wind 1994 1,0. Mas, nesse conjunto menor, a GM produziu outras configurações 1,6 e 1,8, sem contar a 1,4, todas previstas no projeto original da Opel, datado lá dos anos 1970. É essa Família I que está em produção até hoje, com cilindrada 1.796 cm³, movendo o minivan Spin.
De 2000 a 20005 esse 1,8 era utilizado também em modelos maiores da Fiat, como Doblò, Stilo, Palio Weekend, , entre outros, por conta da associação da Fiat com GM em nível mundial. De Monza 1982 até o Spin 2025, basicamente o mesmo motor com outros tamanhos de bloco e cabeçote, são respeitáveis 43 anos. E segue contando…
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VW boxer – 55 anos
O motor que foi produzido pela VW para o Kombi até 2005 pode ser considerado como uma verdadeira lenda até em termos mundiais! Quem poderia imaginar que um projeto de motor pensado em 1934 pela equipe do Prof. Dr. Ing. h.c. Ferdinand Porsche, que tinha como missão propulsionar um carro popular para o operariado alemão, pudesse ir tão longe? Esse motor surgiu no Brasil em 1950, ainda importado, nos primeiros Fuscas, verdadeiros extraterrestes se comparados aos enormes sedãs e station wagons americanas que rodava9,m nas nossas ruas e estradas.

O motor VW que debutou no Brasil era um boxer de quatro cilindros horizontais opostos arrefecido a ar de 1.131 cm³ (75 x 64 mm) e 25 cv. Passou em dezembro de 1953 para 1.192 cm³ (77 x 64 mm) e 30 cv, em agosto de 1966 para 1.285 cm³ (77 x 69 mm) e 38 cv, em 1967 para 1.493 cm³ (83 x 69 mm) e 44 cv, em agosto de 1972 para 1.584 cm³ (85,5 x 69 mm) e 50 cv (54 cv com dois carburadores) e até 1.678 cm³ (88 x 69 mm) e 67 cv, este exclusivo para o esportivo SP2. Em que pese o fato de o motor de 1.192 cm³ não ter nenhuma peça intercambiável com o de 1.285 cm³ e de cilindradas maiores, o conceito do projeto era o mesmo. O fabricante alemão reprojetou o mesmo motor, tornando-o mais robusto, durável e adequado aos sucessivos aumentos de cilindrada, potência e torque. Há quem tenha feito versões de até 2.374 cm³ (96 x 82 mm) nesse motor, fundindo outra carcaças e cabeçotes para que isso fosse possível.

Ainda assim, básica e conceitualmente, falamos do mesmo motor que surgiu no Brasil em 1950, que só foi sair de linha em 2005, quando ainda movia o Kombi. São 55 anos de bons serviços prestados aos consumidores brasileiros. Apesar de obsoleto, deixou saudade.
Na próxima semana, os 3800/4100 da GM, EC5 da Peugeot/Citroën, Fire da Fiat, EA-111 da VW e F-Type da Renault. Não perca!
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor,