Já que a maioria não gostou ou não aprovou o futuro da Jaguar vamos então falar do passado numa série de quatro matérias com cinco histórias cada uma. O felino continuará vivo para sempre!
SETE DIAS E NOITES A 160 km/h
O Jaguar XK120 foi lançado como um carro esportivo acessível, com desempenho surpreendente. Em 1952, a Jaguar levou essa promessa ao limite. O nome XK120 faz referência ao motor XK de seis cilindros em linha e à velocidade máxima anunciada de 120 milhas por hora (193 km/h), que o tornava o carro de produção mais rápido do mundo na época de seu lançamento, em 1948.

Quando o Jaguar XK120 foi apresentado no Salão do Automóvel britânico de 1948, poucos acreditaram que ele pudesse realmente atingir a velocidade máxima divulgada, muito acima dos 160 km/h. A Jaguar rapidamente tratou de provar o contrário. Em maio de 1949, na reta da autoestrada A10 próxima a Jabbeke, na Bélgica, o piloto de testes Ron “Soapy” Sutton levou o XK120 a impressionantes 213 km/h.
Em 1950, o modelo já havia superado a marca de 160 km/h durante 24 horas, com uma média de 172,9 km/h nas mãos de Stirling Moss e Leslie Johnson. Mas o teste supremo viria em agosto de 1952: uma semana inteira a 160 km/h.
O local escolhido foi Montlhéry, no norte da França. Conhecido como o “Indianápolis francês”, o circuito oval com curvas inclinadas permitia ao XK120 manter velocidades elevadas, dia e noite. Apenas as paradas para abastecimento, troca de pneus e pequenos reparos interrompiam o ritmo.
O XK120 usado era um cupê de produção regular. Seu motor 3,4 litros contava com um cárter maior, a relação do diferencial foi ajustada para maior resistência e o tanque de 24 galões imperiais (109 litros) permitia percursos mais longos entre reabastecimentos. Todos esses itens estavam disponíveis como opcionais de fábrica.
Johnson voltou a dividir o volante com Moss, além dos pilotos Jack Fairman e Bert Hadley. “Realmente elevamos nossa ambição nesse teste”, escreveu Moss em seu livro “All My Races”. “Os turnos eram de três horas. O carro tinha um rádio bidirecional, o que ajudava a evitar o tédio, mas o maior estímulo para manter a concentração era o fato de estarmos a apenas 1,2 metro das barreiras a 193 km/h.”
Durante a semana, a equipe quebrou diversos recordes, incluindo a maior média de velocidade em três dias (169,9 km/h) e em quatro dias (162,9 km/h). Ao final de sete dias, haviam percorrido 27.127,73 km, com média de 161,4 km/h. Missão cumprida? Infelizmente, não oficialmente. Como foi necessário substituir uma mola traseira no meio do percurso o feito extraordinário não pôde ser registrado oficialmente.
O maior reconhecimento veio de Laurence Pomeroy, editor técnico da revista The Motor, que dirigiu o XK120 logo após a maratona. “A direção estava firme, sem folgas, e a carroceria sem qualquer vibração”, afirmou. “Os freios demonstravam plena eficiência e estavam perfeitamente ajustados.”
Foi a prova definitiva, caso ainda fosse necessária, de que o XK120 era um esportivo confiável, pronto para ser conduzido a 160 km/h — o dia inteiro, e a semana inteira.
“A direção estava firme, sem folgas, e a carroceria sem qualquer vibração. Os freios demonstravam plena eficiência.”
Laurence Pomeroy, editor técnico da revista The Motor
LEVANDO A VELOCIDADE AO LIMITE
Uma estrada reta de oito quilômetros nos arredores de Jabbeke, na Bélgica, foi palco de uma série de testes de velocidade que comprovaram o potencial do revolucionário Jaguar XK120.

Quando a Jaguar revelou o XK120 no Salão do Automóvel de Londres de 1948, o grande destaque era sua velocidade máxima de 120 mph (193 km/h) — algo praticamente inédito na época, especialmente considerando que o carro custava menos de mil libras esterlinas.
“Isso é impossível, e não vai durar”, declarou John Bolster, editor técnico da revista Autosport.
Para provar que os céticos estavam errados, o fundador da Jaguar, William Lyons, organizou um teste de velocidade em 30 de maio de 1949, levando os principais jornalistas da época para testemunhar o evento.
O local escolhido foi a autoestrada A10, reta como uma flecha por oito quilômetros, nos arredores da cidade belga de Jabbeke — muito usada por fabricantes para testes de desempenho. O piloto de testes da Jaguar, Ron “Soapy” Sutton, conduziu um XK120 normal de série a 203,6 km/h, e depois a impressionantes 213,4 km/h com algumas modificações de competição. O XK120 se tornava, assim, o carro de produção mais rápido do mundo na época.
Em 1953, a Jaguar queria estabelecer um novo marco. O piloto de testes Norman Dewis já havia levado um XK120 de série a 226,4 km/h durante ensaios com o C-type em Jabbeke, em abril. A pergunta que surgiu entre os engenheiros foi direta: o que o XK120 conseguiria com mais algumas melhorias?
Em outubro daquele ano, a equipe voltou a Jabbeke com um XK120 equipado com motor preparado para corrida e carroceria ainda mais eficiente aerodinamicamente. Entre as alterações estava um dossel em estilo aeronáutico que canalizava melhor o ar ao redor da cabeça de Dewis.
“Os engenheiros removeram o banco, e eu sentei sobre uma almofada de espuma no assoalho para que pudessem parafusar a bolha por cima da minha cabeça”, contou Dewis. “A curvatura da bolha era como olhar por um aquário, mas valia cinco milhas por hora (8 km/h) a mais.
“Não era confortável. A direção era incrivelmente leve, e o carro serpenteava em alta velocidade. Não havia ventilação de ar, então eu fui ficando cada vez mais quente. No fim, meu rosto parecia um tomate. Mas, quando você está lá, é só apertar os dentes e seguir em frente.”
“Malcolm Sayer, nosso designer, ficou ao lado da estrada. Ele achava que, ao passar por ele, a onda de ar gerada pelo carro o atingiria na altura dos joelhos. Mas bateu na cintura. Ele me avisou que o carro poderia começar a decolar a 257 km/h, especialmente com ventos laterais. Depois disso, ele disse que não sabia o que poderia acontecer. E lá estava eu, parafusado dentro daquela coisa.”
Em uma série de passagens, Dewis levou o XK120 à velocidade incrível de 277,4 km/h — muito além do que qualquer carro de produção da época era capaz de alcançar.
Na verdade, esse número só seria superado por modelos de produção muitos anos depois, já na década de 1960.
“Malcolm Sayer me avisou que o carro poderia começar a decolar a 257 km/h. E lá estava eu, parafusado dentro daquilo.”
Norman Dewis, piloto de testes da Jaguar
CORRIGINDO O ERRO QUE CUSTOU CARO
Após um raro tropeço em 1952, o desenvolvimento focado do C-type — agora equipado com inovadores freios a disco — levou a Jaguar à sua segunda vitória em Le Mans, em 1953.

Se compararmos com o rigoroso desenvolvimento tecnológico dos modelos da Jaguar nos dias de hoje, os anos 1950 eram guiados por tentativa e erro. Depois da vitória em Le Mans em 1951 com o C-type, a Jaguar começou a trabalhar em uma nova e revolucionária tecnologia de freios a disco em parceria com a Dunlop.
O primeiro grande teste veio na Mille Miglia de 1952, na Itália, mas o piloto Stirling Moss tinha outras preocupações. “Quando uma Mercedes passou voando pelo meu Jaguar perto de Ravenna, sem querer plantei a semente do desastre da Jaguar em Le Mans naquele ano”, recordou Moss em “All My Races”. “Escrevi a William Lyons dizendo: ‘Precisamos de mais velocidade’.”
Os engenheiros da Jaguar responderam rápido: redesenharam a carroceria com uma traseira mais longa e aerodinâmica e um radiador menor e mais baixo. Mas em Le Mans ficou claro que algo estava errado. O C-type enfrentava sérios problemas de superaquecimento. Apesar de ajustes de última hora, era tarde demais — todos os carros da Jaguar tiveram que abandonar a corrida.
A vitória de Moss no Grande Prêmio de Reims de 1952 provou o potencial dos freios a disco, e Phil Weaver reorganizou os esforços de competição da Jaguar criando um departamento dedicado. A edição de 1953 de Le Mans prometia ser histórica, e a Jaguar queria mostrar que o triunfo de 1951 não havia sido sorte.
Com um C-type intensamente testado, 60 kg mais leve e com 22 cv a mais, a confiança era renovada. Porém, durante os treinos, uma confusão com as regras levou à desclassificação dos pilotos Duncan Hamilton e Tony Rolt. Sem esperarem correr, passaram a noite em claro e ficaram surpresos ao saber, pela manhã, que o fundador William Lyons havia pago a multa. “Eram 10 da manhã”, escreveu Hamilton em “Touch Wood”. “Nenhum de nós havia dormido, e tínhamos 24 horas de corrida pela frente. Pedimos café preto e perguntamos se havia um banho turco na cidade.”
Durante a prova, a confiabilidade dos freios a disco se mostrou decisiva. Rolt e Hamilton venceram com 304 voltas completadas (4.111 km) e média horária de 106,4 milhas por hora (171,3 km/h) — a primeira vez que a marca de 100 mph foi superada. Todos os três Jaguar C-type terminaram entre os quatro primeiros colocados.
“Os freios a disco nos deram uma enorme vantagem”, disse Hamilton. “Sabíamos que eles aguentariam as 24 horas sem precisar de cuidados especiais. Os outros pilotos enfrentavam desgaste e perda de eficiência por superaquecimento (fading), e acabavam sobrecarregando câmbio e o cardã para poupar os freios. Quando todos usam freios a tambor, esse é um problema comum. Em 1953, nós, da Jaguar, não tínhamos mais o comum problema.”
“Os freios a disco nos deram uma enorme vantagem. Nós, da Jaguar, não tínhamos mais o comum problema.”
Duncan Hamilton
TRIUNFO MARCADO PELA TRAGÉDIA
O Jaguar D-type conquistou sua primeira vitória nas 24 Horas de Le Mans em 1955 — uma edição que mudaria para sempre a história do automobilismo, marcada por um dos acidentes mais devastadores já registrados.

Na edição de 1955 das 24 Horas de Le Mans, a Jaguar enfrentava uma concorrência feroz: a Ferrari, então atual campeã; o novíssimo Mercedes-Benz 300 SLR; além de Aston Martin e Maserati. Se havia um momento para provar credenciais esportivas, era aquele.
O D-type da Jaguar havia perdido por pouco a vitória na estreia em Le Mans, em 1954, mas chegou em 1955 amplamente revisado: carroceria mais aerodinâmica, nariz mais longo, para-brisa mais largo, subchassi redesenhado e um motor XK atualizado, agora com impressionantes 270 hp.
No entanto, o clima entre a equipe Jaguar era de pesar antes mesmo da largada. John Lyons — único filho de Sir William Lyons, fundador da marca — havia falecido tragicamente em um acidente de carro a caminho do circuito. Embora devastado, Lyons insistiu para que a equipe seguisse com a corrida. Era o que seu filho teria desejado.
Nas voltas iniciais, o piloto Mike Hawthorn liderava a ofensiva contra Ferrari e Mercedes. “Desenrolou-se uma tremenda batalha com os três carros trocando posições o tempo todo,” escreveu Hawthorn em sua autobiografia “Challenge Me The Race”. “Fiquei eufórico ao perceber que o Jaguar conseguia ultrapassar o Mercedes e o Ferrari na reta. Mesmo quando usavam meu vácuo, não conseguiam me passar de volta. Aquela disputa exigia concentração total. Após a primeira hora, havia menos de um segundo entre nós, e aquilo parecia que continuaria por horas.”
Mas às 18h30, com duas horas e meia de corrida, o impensável aconteceu. Ao entrar nos boxes, Hawthorn ultrapassou Lance Macklin, da Austin-Healey. Macklin desviou bruscamente para a esquerda, sendo atingido pelo francês Pierre Levegh, da Mercedes, que foi lançado contra o público em frente aos boxes. O impacto foi devastador: cerca de 120 pessoas ficaram feridas e 84 morreram, incluindo o próprio Levegh.
Apesar da tragédia, os organizadores optaram por manter a corrida, temendo que a interrupção causasse pânico e dificultasse os esforços de resgate. Após reflexão, a Mercedes-Benz se retirou da prova, o que abriu caminho para a vitória da dupla da Jaguar, Mike Hawthorn e Ivor Bueb. No entanto, diante da dor pessoal e da comoção pública, a Jaguar optou por não celebrar ou divulgar amplamente a conquista.
O acidente de Le Mans em 1955 teve um impacto profundo no automobilismo. A Mercedes-Benz se retirou imediatamente de todas as competições e só voltaria às pistas em 1987. Ao redor do mundo, organizadores e equipes iniciaram campanhas rigorosas por segurança — esforço que segue até hoje.
Para a Jaguar, foi a terceira vitória em Le Mans e a primeira do D-type. Mas de uma forma que ninguém jamais desejou.
“Após a primeira hora, havia menos de um segundo entre nós, e aquilo parecia que continuaria por horas.”
Mike Hawthorn
SALVOS PELOS ESCOCESES
Depois que a equipe oficial da Jaguar foi atingida por reveses nas 24 Horas de Le Mans de 1956, toda a esperança de vitória recaiu sobre o time independente Ecurie Ecosse.

Em 1955, após conquistar sua terceira vitória nas lendárias 24 Horas de Le Mans, a Jaguar começou a oferecer versões do D-type para equipes particulares. A edição de 1956 marcaria a despedida da Jaguar como equipe de fábrica. As vendas de carros de rua estavam em alta, o que significava que todos os esforços precisariam ser redirecionados para a produção na fábrica de Browns Lane, e não mais para as pistas.
Uma das primeiras a adquirir um D-type foi a escuderia escocesa Ecurie Ecosse. Fundada pelo contador e dono de pub David Murray, de Edimburgo, o time foi criado para manter viva sua paixão pelo automobilismo após sua aposentadoria como piloto. Francófilo convicto, Murray escolheu um nome exótico, “Equipe Escócia”, em francês, para garantir apelo no continente europeu. Com seu inconfundível azul metálico, a Ecurie Ecosse já havia acumulado bons resultados com os modelos XK120 e C-type, e agarrou a chance de competir entre os primeiros em Le Mans com o D-type.
A equipe oficial da Jaguar começou a temporada vencendo as provas de 12 horas em Sebring e Reims. Para Le Mans, alinharam três carros de fábrica e um para cada uma das equipes clientes: a belga Equipe Nationale Belge e a escocesa Ecurie Ecosse. Após o trágico acidente de 1955, o circuito de La Sarthe foi amplamente modificado para melhorar a segurança, mas ainda mantinha sua reputação temida. Como sempre, vencer em Le Mans não era apenas uma questão de velocidade. Era preciso confiabilidade total e eficiência no consumo de combustível.
A carroceria aerodinâmica do D-type, sua relação de marchas longa e a economia relativa do confiável motor XK, agora com injeção de combustível, davam à Jaguar uma vantagem clara.
Mas logo na segunda volta, dois dos Jaguar oficiais foram eliminados por acidentes causados pela pista molhada, enquanto o terceiro teve que parar para reparos em um tubo de injeção de combustível rachado. Mesmo assim, o espírito de luta da Jaguar prevaleceu, e os pilotos Mike Hawthorn e Ivor Bueb seguiram firmes sob a chuva, tentando alcançar a melhor colocação possível.
Havia, no entanto, um motivo ainda maior para a Jaguar manter o foco na corrida: após uma disputa acirrada ao longo da madrugada, os pilotos da Ecurie Ecosse — Ron Flockhart e Ninian Sanderson — assumiram a liderança com uma volta de vantagem sobre o Aston Martin dos ex-jaguaristas Stirling Moss e Peter Collins.
Com o D-type da Equipe Nationale Belge (Jacques Swaters e Freddy Rousselle) chegando em quarto, e o Jaguar oficial de Hawthorn e Bueb finalizando em um distante sexto lugar, ficava claro — caso alguém ainda duvidasse — que o D-type continuava plenamente capaz de vencer em Le Mans, fosse com apoio de fábrica ou não.
“Vencer em Le Mans não era apenas uma questão de velocidade. Era preciso confiabilidade absoluta e eficiência no consumo de combustível.”
PM
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