Esta é a quarta e última parte da série especial do AUTOentusiastas dedicada à celebração da história da Jaguar, publicada às vésperas de uma nova era para a marca — um reposicionamento completo que a transformará, até 2026, em um fabricante exclusivamente de veículos elétricos e de altíssimo luxo.
Depois de explorarmos a origem da marca, seus primeiros ícones de competição e os bastidores de suas vitórias em Le Mans, chegamos agora a um conjunto de histórias que ajudam a explicar por que a Jaguar continua ocupando um lugar tão singular no imaginário dos entusiastas.
Do símbolo do “Leaper” ao impacto que o E-Type causou em Genebra, passando pelo espetacular XJ13 — talvez o mais belo Jaguar de todos os tempos — e culminando com o impressionante feito do XFR nas planícies de sal de Bonneville, esta edição final também relembra as sete vitórias da marca nas 24 Horas de Le Mans com dados técnicos e contextos que merecem ser revisitados.
O PODER DO LEAPER DA JAGUAR
Como um felino em salto se tornou um ícone do patrimônio da marca.

Com sua coluna suavemente arqueada, pernas estendidas e músculos bem definidos, o “Leaper” da Jaguar é uma representação visual ousada do equilíbrio e da potência que definem os carros da marca.
Em 1936, quando a Jaguar ainda se chamava SS Cars Ltd, o fundador da empresa, William Lyons, buscava um nome marcante para o novo modelo SS100. A agência de publicidade Nelson apresentou uma lista com nomes de aves, peixes e mamíferos. A escolha favorita de Lyons, refletindo a graça, elegância e agilidade felina do SS100, foi o Jaguar.
Logo começaram a aparecer mascotes não oficiais do “jaguar saltando” no topo do radiador dos SS100. No entanto, a reação de Lyons foi pouco entusiasmada: “Parece um gato sendo atirado de uma cerca.” Um design oficial mais alinhado ao seu gosto foi então encomendado.
O primeiro Leaper oficial estreou em 1938. Desenhado pelo artista da revista Autocar, Frederick Gordon Crosby, era oferecido como opcional ao custo de duas libras e dois xelins. O jaguar logo se tornou parte essencial da imagem da SS Cars, e quando Lyons renomeou a empresa em 1945, não havia outro nome possível.

Nos anos 1960, o uso do Leaper começou a declinar. Em carros esportivos mais aerodinâmicos, como o E-Type, uma moldura em relevo com a face de um jaguar mostrando os dentes — o “Growler” — passou a ser o emblema preferido. Legislações de segurança para pedestres eventualmente tornaram o Growler padrão, substituindo o Leaper.
O perfil lateral do jaguar em salto permaneceu como elemento central da iconografia da empresa. Quando o novo XJ foi revelado em 2009, o nome “Jaguar” não aparecia na elegante carroceria de alumínio. Em vez disso, em relevo simples e claro no centro da tampa do porta-malas, havia um grande Leaper cromado — prova definitiva de como o design original de 1938 havia se tornado belo, atemporal e icônico.
O E-TYPE QUE VIROU LENDA
A apresentação em Genebra em 1961 lançou um mito e eternizou o 9600HP.

O coupé Jaguar E-Type 9600HP foi o primeiro E-Type visto pelo público, apresentado no Salão de Genebra em 1961. O protótipo, feito à mão, foi emprestado discretamente a alguns jornalistas — John Bolster da Autosport, Bill Boddy da Motorsport, John Langley do The Telegraph e Harold Nockfolds do The Times — para que preparassem suas reportagens antes do lançamento. Depois disso, o executivo da Jaguar, Bob Berry, dirigiu o carro a toda velocidade de Coventry até o Parc des Eaux-Vives em Genebra, chegando com 20 minutos de sobra para que os jornalistas pudessem vê-lo.
“Meu Deus, Berry”, disse o fundador da Jaguar, Sir William Lyons, enquanto o carro era limpo com vigor e colocado em exibição. “Achei que você não fosse chegar.”

A demanda por test drives foi tão grande que o piloto de testes da Jaguar, Norman Dewis, foi orientado a “largar tudo” e levar outro E-Type — o demonstrador conversível 77RW — ao evento.
Outro destaque foi o planejamento estratégico de Lyons. “Uma das coisas mais inteligentes que Lyons fez foi lançar o E-Type em Genebra”, disse o jornalista Patrick Mennem. “Ele sabia que toda a imprensa automobilística mundial estaria lá. Lançou o carro no Parc des Eaux-Vives, e o SMMT (órgão da indústria automobilística britânica) bancou a recepção. Foi o evento de lançamento mais fantástico de que me lembro, e ele não gastou um centavo. Muito astuto.”
Após o lançamento, o 9600HP foi convertido para volante à direita e usado como carro de imprensa no Reino Unido — sendo destaque no famoso teste da Autocar em que atingiu 150 mph (240 km/h) na autoestrada belga perto de Jabbeke. Após uma restauração em 1999, voltou a atingir essa marca em 2000, antes de realizar uma viagem comemorativa de 40 anos até Genebra em 2001. Nada mau para o E-Type mais antigo que existe.
O JAGUAR MAIS BONITO EM UM ACIDENTE INESPERADO
O XJ13, projetado para voltar a Le Mans, acabou se acidentando durante uma filmagem.

No fim dos anos 1960, a Jaguar considerava voltar à 24 Horas de Le Mans. Após cinco vitórias na década anterior, a marca ainda era competitiva na categoria GT por meio de equipes particulares, mas queria voltar ao topo.
O resultado foi o XJ13 — um protótipo V-12 de 5 litros e 502 cv, moldado pelas curvas aerodinâmicas de Malcolm Sayer, o designer por trás de modelos icônicos da Jaguar. Ian Callum, ex-diretor de design da marca, já o descreveu como “o Jaguar mais bonito já feito”.
A essa altura a Jaguar já fazia parte da British Leyland, e um memorando da diretoria deixou claro que corridas estavam fora de questão. Mas o XJ13 era bom demais para ser esquecido. Em um domingo, o piloto de testes Norman Dewis levou o carro ao circuito de testes da MIRA (Motor Industry Research Association). Na segunda, teve que encarar Sir William Lyons.
“Quebrei a regra de ouro — desobedeci o velho”, lembrou Dewis. “Ele me deu uma bronca daquelas. Eu disse: ‘É uma pena, porque dei uma volta mais rápida que a de um D-Type’.”
O espírito competitivo de Sir William foi despertado, e os testes continuaram — mas só aos domingos. As novas regras de Le Mans tornaram o XJ13 obsoleto antes mesmo que ele estreasse. Ele saiu da aposentadoria em 1971 para estrelar uma campanha publicitária do novo motor V-12 do E-Type.

“Passamos o dia todo filmando na MIRA”, contou Dewis. “Então o diretor pediu quatro voltas rápidas. Na última, a cerca de 240 km/h, a roda traseira direita quebrou.
“Os postes e fios fora da pista me lançaram de volta para o traçado. Um dos tambores vermelhos e brancos, cheios de areia, empurrou a coluna do para-brisa contra o meu capacete. Então senti a traseira levantando e me joguei para debaixo do painel. Parecia uma bola rolando. Depois do que pareceu uma eternidade, tudo parou. Olhei para cima e vi o céu. Como piloto de testes, já passei por situações piores.”
Felizmente, a história teve um final feliz. Redescoberto nos depósitos da Jaguar e reconstruído com os moldes originais, o XJ13 hoje ocupa lugar de destaque na coleção Jaguar Heritage.
O JAGUAR DE PRODUÇÃO MAIS RÁPIDO
Se você pensou no XJ220, com seus 349 km/h, pense de novo. O XFR chegou a 363 km/h.

Em 1992, o Jaguar XJ220 estabeleceu um novo recorde de velocidade com 349 km/h. Mas com o tempo, superesportivos ainda mais rápidos surgiram. Em novembro de 2008, a equipe americana Rocketsports Racing, liderada pelo piloto Paul Gentilozzi e seu filho engenheiro John, decidiu testar os limites de um Jaguar moderno. A oportunidade veio com o sedã esportivo XFR.
O local escolhido foi o deserto de sal de Bonneville, em Utah — uma superfície plana e extensa, ideal para tentativas de recorde de velocidade.
O XFR foi preferido ao XKR por seu perfil aerodinâmico mais eficiente. O interior foi substituído por gaiola de proteção, extintores e paraquedas. Ajustes externos reduziram o arrasto, mas a caixa de câmbio permaneceu original. Curiosamente, o XFR levava 113 kg de lastro traseiro para melhorar a tração, o que o deixava 290 kg mais pesado que o modelo de linha.
“Alguns diziam que tiramos o interior para ganhar velocidade”, disse John. “Peso ajuda na aceleração, mas tem pouco impacto na velocidade máxima. O que importa é arrasto, resistência ao rolamento e potência.”
Ao cruzar a linha final, o XFR atingiu 363,2 km/h (média de 361,8 km/h sobre uma milha). Nada mau para um superesportivo. Incrivelmente bom para um sedã de produção.
VITÓRIAS DA JAGUAR EM LE MANS
Entre 1951 e 1990, a Jaguar venceu sete vezes as 24 Horas de Le Mans.

Entre 1951 e 1990, a Jaguar conquistou sete vitórias nas 24 Horas de Le Mans, consolidando seu nome entre os grandes da história do automobilismo. Confira os principais fatos e números dessas conquistas históricas:
Em 1951, a Jaguar venceu pela primeira vez em Le Mans, com o modelo C-type pilotado por Peter Walker e Peter Whitehead. Eles percorreram 3.611,193 km a uma velocidade média de 150,466 km/h, estabelecendo um novo recorde de distância coberta na prova.
Dois anos depois, em 1953, Tony Rolt e Duncan Hamilton, também com um C-type, venceram novamente, percorrendo 4.088,064 km a uma média de 170,366 km/h. Foi a primeira vez que um carro ultrapassou a marca dos 4.000 km em Le Mans, resultado favorecido pela introdução dos freios a disco.
Em 1955, Mike Hawthorn e Ivor Bueb, a bordo do D-type, conquistaram a vitória com 4.135,380 km e média de 172,308 km/h, estabelecendo novo recorde de distância e velocidade, que perdurou até 1961.
No ano seguinte, 1956, Ron Flockhart e Ninian Sanderson, com outro D-type, venceram após percorrerem 4.034,939 km a 168,122 km/h de média.
Em 1957, Flockhart voltou ao topo do pódio, desta vez ao lado de Ivor Bueb, novamente com o D-type, cobrindo 4.397,108 km a uma média de 183,217 km/h.
Após um longo intervalo, a Jaguar retornou às vitórias em 1988, com o XJR-9LM pilotado por Jan Lammers, Johnny Dumfries e Andy Wallace. Eles estabeleceram um novo recorde de distância e velocidade, percorrendo 5.332,970 km a uma média impressionante de 221,765 km/h — marca que só seria superada em 2010.
Por fim, em 1990, John Nielsen, Price Cobb e Martin Brundle, com o XJR-12, venceram após percorrerem 4.882,400 km a 204,036 km/h de média. Vale destacar que, neste ano, chicanes foram introduzidas na reta Mulsanne para aumentar a segurança, impactando diretamente as velocidades médias alcançadas.
As partes anteriores
Parte 1: https://autoentusiastas.com.br/2025/05/historias-da-jaguar-parte-1-de-4/
Parte 2: https://autoentusiastas.com.br/2025/06/historias-da-jaguar-parte-2-de-4/
Parte 3: https://autoentusiastas.com.br/2025/06/historias-da-jaguar-parte-3-de-4/
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