Na segunda parte da série especial sobre a história da Jaguar, revisitamos os capítulos mais intensos e dramáticos de sua trajetória nas pistas. Começamos com o incêndio de 1957, que devastou a fábrica de Browns Lane mas revelou a impressionante capacidade de recuperação da marca. Em seguida, acompanhamos a consagração definitiva do D-type com a vitória dominante da Ecurie Ecosse em Le Mans, naquele mesmo ano. Avançamos para os anos 1980, quando a Jaguar renasce nas pistas com o XJ-S e conquista o Campeonato Europeu de Carros de Turismo em 1984. Poucos anos depois, a marca volta a brilhar em Le Mans com o XJR-9 em 1988, vencendo a Porsche sob condições adversas. E finalmente, em 1990, consolida seu retorno triunfal ao endurance com mais uma vitória histórica, enfrentando rivais de peso como Mercedes, Porsche e Mazda. São cinco histórias conectadas por uma linha clara: desempenho, resiliência e paixão por competir.
RENASCENDO DAS CINZAS
Um incêndio devastador em 1957 destruiu a fábrica da Jaguar em Browns Lane, mas também revelou a impressionante determinação da marca

Em 1957, a Jaguar vivia um excelente momento. A produção havia superado 13 mil unidades pela primeira vez em 1956 e os lucros estavam em alta histórica. Na noite de terça-feira, 12 de fevereiro, no entanto, um episódio dramático ameaçou pôr tudo a perder. No fim, o que poderia ter sido um desastre serviu apenas para reforçar o espírito resiliente da Jaguar.
Pouco antes das 18h, um pequeno incêndio começou no coração da fábrica de Browns Lane e rapidamente se transformou em um inferno.
Ninguém sabe ao certo como começou, contou o gerente de serviços Lofty England no Jaguar Scrapbook. O departamento de serviços e a serraria eram separados por uma parede de madeira prensada, e, por algum motivo, ela pegou fogo. Próximo dali estavam os pneus, e isso fez o telhado pegar fogo.
Em meia hora, as chamas estavam fora de controle. A maioria dos funcionários já havia ido embora ao fim do expediente, mas os que permaneceram se mobilizaram para tirar o maior número possível de carros, tanto para salvar os veículos quanto o prédio.
O fogo se espalhava pelo telhado, o betume caía sobre os carros e eles pegavam fogo, lembrou Bill Cassidy, do departamento experimental da Jaguar. A serraria era ao lado, então precisávamos tirar a madeira dali. Finalmente os bombeiros chegaram, vieram de Birmingham, Coventry e Solihull. Foi um incêndio assustador. Ver uma parede de 90 metros de comprimento por 6 metros de altura incandescente era apavorante.
Felizmente, as únicas vítimas foram de lata. Cerca de 300 carros foram condenados, entre eles o último lote de chassis do esportivo XKSS, uma versão de rua do D-type com velocidade final de 257 km/h, recém-lançado naquele ano.
A indústria automobilística britânica se mobilizou para ajudar. A Dunlop, que havia comprado nossa antiga fábrica em Foleshill, ainda não tinha se mudado, contou England. Então transferimos o departamento de testes e acabamentos para lá e ergueram um novo prédio de 10 mil metros quadrados em apenas 13 semanas.
A produção limitada foi retomada em menos de uma semana e logo voltou ao ritmo normal de 200 carros por semana. Em apenas quatro meses, todo o complexo de Browns Lane foi reconstruído e retomou a operação completa. Um verdadeiro renascimento das cinzas.
“Era assustador ver uma parede de 90 metros de comprimento por 6 metros de altura incandescente.”
Bill Cassidy
UMA ÚLTIMA GLÓRIA
Com a Jaguar fora das pistas, coube à Ecurie Ecosse encerrar a trajetória do D-type em Le Mans com uma vitória histórica em 1957

Após vitórias da equipe oficial da Jaguar nas 24 Horas de Le Mans em 1951, 1953 e 1955, e uma surpreendente conquista da escocesa Ecurie Ecosse em 1956, a Jaguar se retirou oficialmente das competições em 1957.
O plano era tirar um ano sabático para desenvolver o sucessor do D-type, mas as vendas crescentes de carros de rua, a necessidade de lançar um novo esportivo e a reconstrução após o incêndio na fábrica adiaram esse retorno. Ainda assim, equipes clientes continuaram competindo com o D-type.
Graças à vitória em 1956, a Ecurie Ecosse voltou como favorita em 1957, ampliando sua participação com dois carros. A Equipe Nationale Belge e a francesa Equipe Los Amigos inscreveram um carro cada, e Duncan Hamilton, ex-piloto da Jaguar, participou com seu próprio D-type, totalizando cinco Jaguar no grid.
Para aumentar as chances, a Ecurie Ecosse dividiu sua dupla campeã: Ron Flockhart correu com Ivor Bueb, vencedor de 1955, enquanto Ninian Sanderson dividiu o carro com John Lawrence.
Os principais rivais, Ferrari e Maserati, trouxeram carros novos, rápidos, mas frágeis. Ambos abandonaram a corrida nas primeiras horas, e a Jaguar assumiu a liderança. Ao fim das 24 horas, os D-type cruzaram a linha de chegada em 1º, 2º, 3º, 4º e 6º lugares, com Flockhart e Bueb oito voltas à frente do segundo colocado.
Mesmo sem apoio de fábrica e com um carro já com quatro anos de idade, a Jaguar alcançava sua vitória mais dominante. Foi o final perfeito para a era dourada da marca em Le Mans, uma reputação de velocidade, confiabilidade e sucesso que permaneceria até o retorno oficial nos anos 1980.
“Ferrari e Maserati tinham carros rápidos, mas frágeis. Isso deixou a Jaguar no controle.”
O RETORNO DO FELINO
Com o XJ-S, a Jaguar conquistou o Campeonato Europeu de Carros de Turismo em 1984 e reacendeu sua reputação esportiva

O XJ-S não havia sido concebido para competir, mas seu potente motor V-12 e o comportamento equilibrado o tornavam ideal para as provas de resistência com carros de produção, que ganhavam força no início dos anos 1980.
Nos Estados Unidos, a equipe Group 44 de Bob Tullius havia obtido sucesso com o E-type e identificou o potencial do XJ-S na Trans Am. Depois de dois títulos de classe em 1977 e 1978, chegou perto do título geral em 1981.
Na Europa, o sucesso foi ainda maior. O piloto britânico Tom Walkinshaw, entusiasta da Jaguar, convenceu a marca a apoiá-lo após se frustrar com os resultados da equipe Broadspeed. Com as novas regras do Grupo A em 1982, o XJ-S brilhou com seus pneus largos, suspensão traseira independente e motor V-12 com injeção eletrônica. A equipe TWR venceu quatro provas, superando até os dominantes BMW no lendário Nordschleife de Nürburgring.
Em 1983, com apoio oficial da Jaguar, Walkinshaw somou mais cinco vitórias e ficou com o vice-campeonato. Em 1984, venceu a prova de 24 horas em Spa-Francorchamps sob chuva intensa, ao lado de Hans Heyer e Win Percy. No encerramento da temporada em Zolder, a vitória garantiu o título de pilotos, o primeiro da Jaguar desde Le Mans 1957.
O XJ-S teve ainda uma última exibição de gala. Após não vencer em Bathurst, Austrália, 1984, Walkinshaw voltou em 1985 com Win Percy, conquistou a pole e viu John Goss e Armin Hahne levarem a vitória. O XJ-S era um carro para ser guiado com o pé pesado, disse Walkinshaw. Tirar o pé era pedir para rodar. Mas quando você tinha confiança, ele devolvia tudo e mais um pouco.
Com 20 vitórias, incluindo Spa e Bathurst, o XJ-S e a TWR restauraram a imagem da Jaguar em performance e resistência nos anos 1980, abrindo caminho para o retorno a Le Mans.
“O XJ-S era um carro para ser guiado com potência. Quando você acertava, ele te dava cada vez mais.”
Tom Walkinshaw
DE VOLTA COM TUDO
Em 1988, a Jaguar retornou a Le Mans com o XJR-9 e venceu a Porsche após uma prova memorável

Nos anos 1980, a Jaguar enfrentava um raro período de baixa. O novo executivo-chefe John Egan trabalhava para resgatar a imagem da marca, e, como em 1951, o sucesso em Le Mans prometia causar um impacto imediato.
Após vencer o Mundial de Endurance em 1987, o grande objetivo era Le Mans, contra a dominante Porsche. Para isso, a Jaguar criou o XJR-9, com motor V-12 de 7,0 litros e carroceria de baixo arrasto com para-lamas traseiros cobertos.
A edição de 1988 foi uma das últimas no antigo traçado de La Sarthe, com destaque para a reta Mulsanne de 5,8 km. A Mulsanne é uma estrada pública, com casas, árvores e postes, contou o piloto Martin Brundle. “Você anda a 320 km/h por mais de um minuto. É apavorante”.
Na prova, Jan Lammers, Johnny Dumfries e Andy Wallace assumiram a liderança. O carro estava tão equilibrado que pudemos usar menos asa. Estávamos voando, atingimos 389 km/h na Mulsanne, disse Lammers.
A chuva chegou no final. As últimas horas foram uma tortura, admitiu Egan. Ainda assim, a Jaguar venceu. Foi a primeira a bater a Porsche em Le Mans desde 1980. Foram 394 voltas e 5.332 km, quase quebrando o recorde de 397 voltas de 1971.
Esperávamos 395 voltas. Fizemos 394. Se não tivesse chovido, teríamos batido o recorde, comentou Tom Walkinshaw.
“O chassi era tão bom que podíamos usar menos asa. Estávamos voando.”
Jan Lammers
MAIS UM PARA OS LIVROS DE HISTÓRIA
A Jaguar voltou a vencer Le Mans em 1990, consolidando seu retorno como uma das forças do endurance

Em 1990, a Jaguar chegou a Le Mans decidida a repetir a vitória de 1988, depois de ter batido na trave em 1989. Mercedes, Porsche, Mazda, Nissan e Toyota estavam no páreo, prometendo uma das disputas mais intensas da década.
A Jaguar trouxe o XJR-12LM, evolução do XJR-9 com motor V-12 de 7,4 litros e 750 cv. Uma novidade foi a introdução de duas chicanes na longa reta Mulsanne, exigindo mais aceleração e estabilidade.
O piloto Martin Brundle explicou em coluna na revista Autosport: no escuro, você precisa de cinco voltas até pegar ritmo. Le Mans não é bem iluminado e os flashes das câmeras logo após os boxes são perigosos. Em segundos, você já está acima de 320 km/h.
Brundle começou com David Leslie e Alain Ferté, mas após problemas no carro, foi transferido para a tripulação de John Nielsen e David Cobb. Quando amanheceu, o Jaguar havia perdido a quarta marcha, essencial para manter ritmo. Dava pra fazer os tempos, mas foi muito difícil, comentou Cobb.
Mesmo assim, o trio venceu com quatro voltas de vantagem sobre o segundo Jaguar, e sete sobre os Porsches. A Jaguar retornaria em 1991, mas não conseguiria bater a Mazda, favorecida pelo menor peso mínimo. Ainda assim, com sete vitórias, a Jaguar se firmava como uma das marcas mais vitoriosas da história de Le Mans.
“No escuro, você precisa de cinco voltas até pegar ritmo. Em segundos, está acima de 320 km/h.”
Martin Brundle
As outras partes:
Parte 1: https://autoentusiastas.com.br/2025/05/historias-da-jaguar-parte-1-de-4/
Parte 3: https://autoentusiastas.com.br/2025/06/historias-da-jaguar-parte-3-de-4/
PM
A coluna “Substance” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Onde me encontrar: LinkedIn, AUTOentusiastas, Substack, Jornal Roda e Instagram.