O Volkswagen Country Buggy é um pequeno veículo utilitário projetado e construído pela Volkswagen da Austrália. Usou partes da produção então existente do Tipo 1 e Tipo 2, e foi fabricado de 1967 a 1968. Houve um derivado do Country Buggy chamado Sakbayan, construído nas Filipinas por vários anos até 1980.
Ambos se valeram da facilidade de poder aparafusar uma carroceria ao chassi rodante do Fusca, um conceito que Ferdinand Porsche e seus engenheiros vislumbraram já no início do projeto do Fusca em 1934, a aplicação de carrocerias diferentes, do qual resultou o utilitário militar Tipo 82 Kübelwagen e o também importante Karmann Ghia de 1955.
Country Buggy
No início dos anos 60, a Volkswagen Australasia Ltd., da Austrália, começou a trabalhar em um novo veículo para uso do exército do país, que também pudesse ser vendido ao público em geral. As exigências militares eram para um veículo anfíbio de tração nas quatro rodas capaz de lidar com o severo ambiente australiano. O projeto do carro foi feito sob a liderança de Rudi Herzmer, que também era o diretor administrativo da Volkswagen Australasia, e o engenheiro Cyril Harcourt, da fábrica de Clayton da VW da Austrália.
O projeto recebeu inicialmente o nome de desenvolvimento Kurierwagen (curiosamente o mesmo nome que que foi dado à “Coisa”), e alguns desenhos do projeto foram feitos já em 1964. Um protótipo foi concluído no final de 1965, e mais dois seguiram. Os testes dos três protótipos ocorreram entre 1965 e 1967, com o engenheiro de testes Paul Kochan registrando os resultados de 50.000 km de testes de estrada.
Veja o catálogo do Country Buggy, em que o curioso título tem sentido de ‘Cidade ou o Campo’, respectivamente Sydney, a cidade mais populosa da Austrália, e Bush, a paisagem interiorana típica do país retratada na foto principal (Fonte: The Samba)::
E a foto das páginas internas, justapondo o que aparece nas duas páginas do catálogo, é a seguinte:
Para obter aprovação da matriz para o projeto, dois dos protótipos foram enviados para Wolfsburg para avaliação. Quando Herzmer, que acompanhava os protótipos, chegou à Alemanha com os carros, descobriu que a Volkswagen havia iniciado o desenvolvimento de um veículo semelhante que se tornaria o VW 181 “A Coisa”. A Volkswagen da Alemanha deu a aprovação para o projeto ir em frente, sujeito à incorporação de uma lista de alterações.
Os concessionários Volkswagen australianos foram apresentados a um dos protótipos na Convenção Nacional dos Revendedores em fevereiro de 1967, e o público o viu pela primeira vez no Salão do Automóvel de Melbourne no mês seguinte. A essa altura o nome Kurierwagen havia sido descartado e o novo veículo, designado Tipo 197, era agora chamado de Country Buggy (bugue do campo) e entrou em produção em julho de 1967, mas só foi liberado para o público em 3 de abril de 1968. Esse tempo adicional permitiu que a fábrica resolvesse vários problemas que os testes haviam revelado.
No final das contas, a versão definitiva do VW 197 acabou não tendo tração nas quatro rodas nem era anfíbia, e nenhuma unidade acabou sendo adquirida pelos militares.
A Volkswagen Australasia entrou em dificuldades financeiras em 1967, e depois de deliberações que envolveram a Volkswagen alemã, acabou anunciando o encerramento de suas atividades em 1968. Entrou em cena uma nova empresa, a Motor Products Limited, que pertencia integralmente à Volkswagen AG. A nova empresa passou a ser dona e a operar a fábrica de Clayton para montar kits em CKD e aceitar serviços de montagem para clientes de outras marcas.
Passados apenas oito meses, e a fabricação de 842 carros, foi tomada a decisão de parar a produção do Country Buggy. A produção parou em setembro ou outubro de 1968, mas a fábrica continuou a fornecer kits CKD até que o estoque existente de peças fosse usado, o que durou até 1970. Durante esse tempo, outros 181 veículos foram fabricados para exportação.
O número final de Country Buggy construídos na Austrália totalizou 1.956 unidades, das quais 459 unidades foram enviadas em forma de CKD para países como Cingapura, Nova Zelândia, algumas pequenas nações do Pacífico e, mais significativamente, as Filipinas. As unidades exportadas incluíam carros com volante à esquerda.
O Country Buggy foi construído usando um chassi Tipo 1 de fabricação australiana, que a empresa descreveu como um “estrutura de seção central tubular com plataforma soldada”:
A carroceria foi projetada e fabricada na Austrália e era de aço plano dobrado. O carro tinha soleiras bem altas e não tinha portas:
O para-brisa podia ser rebatido para frente:
Os faróis foram assumidos do tipo 1 e foram montados no nariz executado em plano inclinado:
Os balanços dianteiro e traseiro eram bem curtos, permitindo um ângulo de entrada (carregado) de 51º30′ e um ângulo de saída (também carregado) de 32º, ângulos G e H no croqui dimensional abaixo:
Para evitar que as ponteiras do escapamento arrastassem no chão em condições extremas, elas saiam por aberturas na carroceria acima do para-choque traseiro.
A bitola dianteira do Country Buggy era de 1.376 mm, enquanto a traseira era de 1.360 mm. A distância mínima do solo era de 230 mm e a carga útil era de 366 kg.
As suspensões dianteira e traseira eram compostas por barras de torção transversais. Na dianteira, braços arrastados duplos superpostos, e na traseira os facões como primeira geração do Tipo 2 (T1,1950-1967 na Alemanha) ligando os semieixos oscilantes às barras de torção e formando o eixo tipo portal, usados tanto no Tipo 82 Kübelwagen quanto no início do Tipo 2 com suas caixas de redução nos cubos traseiros.
A caixa de direção e o conjunto do limpador de para-brisa vieram do Tipo 3; o sistema elétrico era de 6 volts. A motorização standard era um motor boxer 1300 arrefecido a ar, mas havia a opção do motor 1200.
Por falar de motor, uma curiosidade, a partida do Country Buggy podia ser dada por manivela, que vinha acomodada dentro do porta-malas dianteiro:
A potência era entregue às rodas traseiras pelo transeixo com câmbio manual de 4 marchas e pelos semieixos oscilantes do Tipo 1. Os pneus eram 5,60-15 nas quatro rodas. Os freios dianteiros e traseiros eram a tambor de 250 mm de diâmetro.
A capacidade do tanque de combustível era de 40 l. Neste modelo específico não havia medidor de combustível, mas um dado momento teve, como aparece no foto mais acima com a manivela em destaque.
As fotos que estão ilustrando esta parte da matéria, do site Oldbug, foram postadas pelo Randy Carlson, que conhecemos na matéria “Salvo por uma plaqueta“. Ele importou este Country Buggy da Austrália e fez uma de suas incríveis restaurações. Nesta ele descobriu uma curiosidade muito interessante, a parte interna da tampa original do tanque de gasolina com o logotipo VW ladeado por dois cangurus — dando um toque australiano à peça:
Além do motor menor, as opções disponíveis incluíam capota de lona, capota rígida, cortinas laterais, pneus de inverno, para-sol, espelho retrovisor externo, protetor do motor, gancho de reboque dianteiro e tomada de força. Dizia-se que um diferencial de deslizamento limitado tinha sido planejado para lançamento posterior; o Country Buggy não tinha nenhum tipo de aquecimento.
Como informado acima, a produção do Country Buggy foi encerrada por problemas na empresa, e, além disto, o modelo não foi lá muito bem aceito pelo público. Mas, de algum modo, a sua saga continuou na Filipinas com o Sakbayan.
Sakbayan
Em 1968, a DMG Inc., distribuidora da Volkswagen, começou a importar o Country Buggy para as Filipinas. Devido a restrições de importação, os veículos foram enviados em forma de kit CKD, com montagem final feita pela DMG. Os primeiros modelos filipinos eram anunciados como Country Buggy e eram mecanicamente idênticos aos modelos australianos, com a exceção de estarem configurados para a condução à esquerda. Eles também incorporaram uma porcentagem de peças de origem local.
A DMG, que é a sigla original de Diesel Motors of Germany, começou em 1955 como representante das empresas Henschel e Hanomag, motores e caminhões, respectivamente. A partir de 1958 a DMG passou a representar a Volkswagen, e a partir de 1959 ela montava a Kombi e depois passou a montar Fuscas. Em sua trajetória ela chegou a montar veículos a partir de CKDs brasileiros Fuscas, Kombis e Passats. A DMG estabeleceu uma grande rede de revendedores nas Filipinas, que é um país arquipélago.
Depois que a produção australiana do Country Buggy parou, o fornecimento de kits para o mercado filipino a fabricação nas Filipinas continuou por um tempo, até os estoques se esgotarem. Então a DMG comprou novos componentes principais da Alemanha, usando o chassi e o motor do Tipo 181. Uma cópia da carroceria do Country Buggy foi produzida localmente sem muita dificuldade.
A palavra Sakbayan é uma junção das palavras do tagalo “sasakyán” (“veículo”) e “bayan” (“país”, “povo” ou “cidade”). O nome é calcado no Volkswagen alemão, que significa “carro do povo”. Este veículo é considerado por muitos como o primeiro carro a ser projetado e construído nas Filipinas. Isto é uma espécie de “liberalidade poética”, já que o projeto básico é australiano. O que a DMG fez foi reproduzir a carroceria do Country Buggy em suas oficinas, para depois ir adaptando conforme os componentes que foi conseguindo comprar; somando-se a isto o desenvolvimento de uma capota rígida com ou sem portas.
O Tagalo é uma língua austronésia falada como primeira língua por um quarto da população das Filipinas e como segunda língua pela maioria. Sua forma padronizada, oficialmente denominada Filipino, é a língua nacional das Filipinas, sendo uma das duas línguas oficiais ao lado do inglês.
A carroceria construída nas Filipinas se distinguia da original do Country Buggy por ter apenas uma ranhura lateral de reforço de chapa, em vez de duas no original australiano. Outras diferenças incluíram os antigos faróis de Fusca, substituídos por unidades ligeiramente embutidas, e a disponibilidade de uma nova capota rígida, eventualmente com portas.
Seguem algumas fotos de um Sakbayan, na versão com capota rígida e portas, restaurado (Fotos: Ian Magbanua):
Depois de alguns anos de produção usando componentes de origem alemã, a DMG trocou de fornecedor e começou a basear o Sakbayan em peças da Volkswagen do Brasil, o que exigiu outro pequeno redesign.
O historiador do Volkswagen Club das Filipinas, Wilfred T. Ruiz, fez uma tabela baseada na observação de exemplares existentes e chegou a um quadro comparativo de versões do Sakbayan (em inglês), do qual reproduzo a parte que dá uma visão geral do esforço que foi necessário para manter a produção deste carro, pulando de um fornecedor de peças para outro:
Um modelo muito raro mesmo
Estamos falando de veículos cuja produção foi comparativamente pequena, e dentre eles muito raramente foi realizada a construção abaixo, outro exemplar especial de Country Buggy que foi cuidadosamente restaurado:
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A construção do Fusca com sua carroceria aparafusada no chassi enseja um sem número de adaptações e construções especiais, tanto oficiais, com a chancela da Fábrica, quanto construções livres feitas de maneira independente. Este é um campo interessante que será explorado aqui nesta coluna.
AG
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