No começo eram só Opalas, mas com Opalas de verdade: foi como a Stock Car começou em 1979, com organização e patrocínio da General Motors. Nos anos seguintes ele foi substituído por Omega, Vectra, Astra, Sonic e Cruze. Mas os carros portando componentes originais não duraram muito: a demanda por maior desempenho e segurança acabou mudando o regulamento e permitiu que o motor Chevrolet 4100 (do Opala, seis cilindros) desse lugar a um V-8 importado dos EUA. Depois vieram novas caixas de marchas, suspensão, freios, direção até que a carroceria veio montada sobre um chassis tubular, exatamente como num carro de corrida.
A partir de 2003 começam modificações mais radicais na categoria, que perde a organização da própria GM para a Vicar e incentiva a participação de outras marcas: vieram a Peugeot com o sedã 306, Mitsubishi optou pelo Lancer e a Volkswagen decidiu pelo Bora. Que recebiam a mesma carroceria de plástico sobre exatamente a mesma mecânica que não tinha sequer um parafuso da fábrica: ela apenas ostentava seu logo na grade. Mas o equilíbrio entre competidores tornou a Stock Car a categoria de maior competitividade, disputada palmo a palmo, que apaixonava a torcida e atraiu os melhores pilotos brasileiros. Além de autódromos cheios para vibrar com os velozes e furiosos, a televisão transmitia as corridas e os pegas entusiasmavam milhões de torcedores.
A verdade sobre a Stock Car jamais foi divulgada, incentivando assim o público a torcer para a “sua” marca.
Em 2008, a Peugeot foi além, lustrou sua cara de pau e atacou de propaganda enganosa com anúncios de páginas inteiras nos jornais para destacar o sucesso de um Stock Car “fantasiado” de Peugeot 307. O anúncio:
“A Peugeot foi a grande vencedora da etapa de Brasília da Stock Car. Esse resultado é a união do talento e ousadia do piloto Ricardo Maurício com o desempenho e a confiabilidade do Peugeot 307 Sedan, um carro vencedor tanto nas pistas quanto nas ruas”. Ao lado, a foto do automóvel com o logotipo do leão na grade. Uma respeitável e inequívoca mentira. Os marqueteiros americanos dizem “Win on Sunday, sell on Monday” ou seja, vença no domingo, venda na segunda-feira. No caso da Peugeot, “Win on Sunday, lie on Monday”. (Vença domingo, minta na segunda…)
Depois que Volkswagen, Mitsubishi e Peugeot largaram a categoria, a GM voltou a investir pesado (2017) e todos os competidores correm com o mesmo carro, com carroceria semelhante ao Cruze em compósito de fibra de vidro com gravatinha borboleta da Chevrolet na grade. Único componente original são os plásticos das lanternas traseiras. Nem mesmo os faróis são verdadeiros, apenas adesivos que imitam faróis. O motor é V-8 importado dos EUA com 550 cv, 5,7 litros e o carro pesa apenas 1.320 kg.
O público continua prestigiando a Stock Car e se impressiona com o desempenho do Cruze “preparado” para competição. Não faz a menor ideia de estar torcendo para um autêntico carro de corrida disfarçado de Chevrolet Cruze, fabricado com componentes de alto custo e tecnologia desenvolvida por equipes especializadas em competições.
A categoria é, sem dúvida, a mais importante do automobilismo brasileiro e reúne pilotos famosos como Rubens Barrichello, Ingo Hoffmann, Paulo Gomes, Chico Serra, Cacá Bueno e várias outras “feras” das pistas. Conta com patrocínios de poderosas empresas como a Ipiranga, Petrobrás,Shell, Pirelli e de outros setores como o farmacêutico, por exemplo, devido à sua grande visibilidade.
O que se questiona na Stock Car é a desnecessária presença da GM (ou de qualquer outra marca) para iludir o público. Tanto a marca da gravatinha como a própria categoria são suficientemente fortes e não precisam se expor a um expediente duvidoso e condenável como este.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.