O esportivo nacional Hofstetter, com seu marcante design italiano em forma de cunha, tem uma história longa, e foi fruto de um jovem sonhador: Mário Richard Hofstetter, que tomou o desafio do pai como meta para construir o seu primeiro (e único) carro esportivo. Tudo começou quando Mário, com pouco mais de 12 anos de idade, ficou encantado quando viu pela primeira vez as fotos de um carro-conceito lançado no Salão de Paris de 1968 por um famoso estúdio de design italiano.
Quando o pré-adolescente, vislumbrou o Bertone Carabo com seu ousado design em forma de cunha e uma mecânica ainda mais extasiante do Alfa Romeo 33 Stradale (uma versão amansada de rua do famoso Alfa Romeo de corrida), intuiu que a realização do seu sonho seria a de construir um carro esportivo que certamente teria aquelas linhas tão sedutoras. Mas aos 15 anos de idade, quando Mário Hofstetter já tinha em sua cabeça como seria o futuro carro que ele construiria, do Salão de Genebra de 1971 veio a grande bomba sobre o jovem sonhador: Giorgetto Giugiaro apresentou o Maserati Boomerang, outro conceito que no ano seguinte (1972) acabou se transformando no carro de série Maserati Bora.
Mas o Boomerang era tão inovador que gerou detalhes e linhas básicas para futuros projetos que se tornaram grandes sucessos da indústria automobilística mundial: os VW Passat e Golf, Lancia Delta, Lotus Esprit e até influenciou em alguns detalhes do famoso DeLorean DMC-12. O Boomerang foi mesmo um carro muito rico e fez com que Mário fundisse no seu projeto linhas dos carros de Bertone e Giugiaro. Em 1972, então com 16 anos, o jovem sonhador projetista já tinha no papel o desenho da sua futura criação, e passou em 1973, juntamente com um amigo, a construir a carroceria do tal carro dos seus sonhos, já utilizando compósito de fibra de vidro.
O interessante dessa fase do projeto é que Mário tomou como desafio o fato de seu pai, Félix Hofstetter, um suíço que trabalhava na área de embalagens, duvidar da sua capacidade de construir e produzir um carro. Depois de muito trabalho, já em 1975, saiu a primeira carroceria do molde que o próprio Mário havia concebido. Quando o senhor Félix viu aquela carroceria, que era praticamente uma casca em plástico reforçado com fibra de vidro, pronta e com um desenho que ele jamais havia visto mesmo internacionalmente, resolveu finalmente apoiar a ideia do filho.
Como Mário ainda fazia seus estudos acadêmicos convencionais, não tinha muito tempo disponível para progredir na construção do carro, que aconteceu de maneira muito lenta. Ele então comprou um protótipo de corrida da Divisão 4 com motor Ford-Binno. Montou a carroceria sobre esse chassi e, mesmo sem os vidros, andava pelas marginais pra saber como a carroceria se comportava. Nesse mesmo período, Mário fez uma loucura: comprou um conjunto motor-câmbio Hart-Hewland com que José Carlos Pace correu numa Copa Brasil de Fórmula 2.
O jovem Mário achava que seu carro teria um desempenho coerente com sua forma arrojada, mas o que o inexperiente construtor não sabia é que motor de corrida serve para corrida, e não para andar na rua. Contou que para sair do lugar, era preciso acelerar o motor até 7 mil rpm para, aí sim, o motor ter força para vencer a inércia. Ele acabou descobrindo de maneira amarga que motor de carro de corrida funciona muito bem na pista, mas na rua ele é absolutamente inútil e não operacional. Esse foi o primeiro protótipo funcional do Hofstetter. Alguns amigos do Sr. Félix, quando viram o potencial daquele projeto, resolveram bancar financeiramente a ideia, propondo dar o dinheiro para que se construísse uma versão definitiva que seria vendida ao público.
Mas, para isso, queriam a metade do negócio. Félix foi contra, e disse ao filho que eles tocariam esse negócio aos poucos, mas tudo seria propriedade da família. Nesse ponto, um erro feio de Félix: de 1976, quando o protótipo andava, até que fosse iniciada a produção do modelo definitivo para venda, foram longos sete anos de espera. Enquanto isso, o primeiro Hofstetter ganhou um chassi tubular, em que na parte traseira utilizava a suspensão dianteira do VW Passat, juntamente com seu subchassi de fixação. O motor, também VW MD-270 1,6, era acoplado a um câmbio de quatro marchas, tudo vindo do Passat. Para melhor distribuição de peso, o motor era disposto longitudinalmente entre eixos.
A suspensão dianteira era todo o conjunto utilizado pelo Chevrolet Chevette, inclusive oa freios dianteiros (na traseira, eram os discos dianteiros do Passat). A caixa de direção e seus braços de ação também eram do Chevette, para haver coerência com a geometria da suspensão dianteira. O protótipo evoluiu e passou a utilizar um motor 1,8 a álcool do Gol GT (apresentado em 1984), além câmbio de cinco marchas também vindo do Gol GT 1985. Como os cerca de 100 cv do motor 1800 VW pareciam insuficientes para as linhas arrojadas do Hofstetter, Mário optou por adicionar um turbocompressor no modelo definitivo que seria vendido ao público. Assim, o conjunto passou a entregar cerca de 140 cv, que dava ao esportivo um desempenho razoável para a época.
O carro tinha particularidades interessantes, que na época causavam admiração no público. As portas abriam no formato de tesoura e sua abertura eram feita eletricamente. Os faróis eram escamoteáveis e o painel de instrumentos era digital, novidades para a época. Como não havia janelas que abrissem, o ar-condicionado é quem garantia ventilação e boa temperatura no seu interior: bastava ligar o motor e o sistema já estava funcionando, e o condutor regulava a temperatura ideal. Mas a ousadia construtiva, sem janelas que abrissem, causou problemas: coisas simples como pagar um pedágio ou pedir uma informação na rua só poderiam ser feitas abrindo as portas. Esse fato levou Mário Hofstetter a criar uma pequena abertura de correr na janela acrílica, por onde o condutor tinha acesso ao mundo exterior.
Em 1986, a pequena fábrica localizada na Vila Olímpia, em São Paulo, já estava a todo vapor e já tinha produzido algumas unidades, todas vendidas. O carro foi entregue aos principais órgãos de imprensa automobilística do país, mas quando a fábrica já apresentava um bom ritmo de produção, veio um desses planos econômicos malucos que Brasil enfrentou várias vezes nas décadas de 80 e 90, desanimando Mário, que passou a focar mais na administração da fábrica de embalagens da família. Mesmo assim, o carro recebeu posteriormente motor 2-litros com turbocompressor do VW Santana, que se não teve um aumento expressivo de potência, ganhou muito torque, o que melhorou muito as acelerações e retomadas de velocidade. Ao longo dos anos, num ritmo bem lento de produção, ganhou algumas alterações visuais, como asa traseira, saias laterais, novo conjunto óptico traseiro, entre outros detalhes.
Desde o primeiro até o último Hofstetter produzido, em 1993, 18 anos se passaram, e coincidentemente 18 unidades foram produzidas no total. Mário Hofstetter orgulha-se de ainda possuir o primeiro protótipo (aquele com chassi de Divisão 4), a primeira unidade com a configuração mecânica definitiva (que ele chama de chassi número 2) e a penúltima unidade produzida (de número 17), todos juntos guardados em sua garagem.
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
FICHA TÉCNICA HOFSTETTER 1986 | |
MOTOR | |
Descrição | VW AP 1800 a álcool com turbocompressor |
Diâmetro e curso (mm) | 81 x 86,4 |
Cilindrada (cm³) | 1.781 |
Potência estimada (cv/rpm) | 140/5.000 |
Torque estimado (m·kgf/rpm | 21/3.600 |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Transeixo VW manual, 4 marchas, tração traseira |
Relações das marchas (:1) | 1ª 3,45; 2ª 1,70; 3ª 1,07; 4ª 0,78; ré 3,17 |
Relação do diferencial (:1) | 4,11 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, triângulos superpostos, mola helicoidal e amortecedor hidráulico |
Traseira | Independente, McPherson, mola helicoidal, amortecedor e barra antirrolagem, subchassi |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, sem assistência |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 10,2 (esquerda0 e 10,1 (direita) |
Diâmetro do volante de direção (mm) | 300 |
FREIOS | |
Dianteiros | Disco |
Traseiros | Disco |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Liga de alumínio, 7Jx14 |
Pneus | 225/55VR14 (Pirelli Corsa) |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Separada, chassi tubular com túnel central, carroceria em compósito de fibra de vidro, cupê, 2 lugares |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 4.170 |
Largura | 1.740 |
Altura | 1.070 |
Distância entre eixos | 2.380 |
Bitola dianteira/traseira | 1.360/1.406 |
PESOS (kg) | |
Em ordem de marcha | 1.120 |
Carga útil | 200 |
CAPACIDADES (L) | |
Tanque de combustível | 51 |
Porta-malas | n.d. |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 9,3 |
Velocidade máxima (km;h) | 196 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL | |
Cidade (km/l) | |
Estrada (km/l) | 6,2 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | 10,9 |
v/1000 em 4ª (km/h) | 34,4 |
Rotação a 120 km/h em 4ª (rpm) | 3.500 |
Rotação à vel. máxima em 4ª (rpm) | 5.700 |
Dados: Quatro Rodas de setembro de 1986 |
Visite o site do Douglas: www.carrosegaragem.com.br
Não deixe de ler a Newsletter AutoTalk, que fala sobre a anatomia de um carro e de tudo que gira ao redor dele. A inscrição é gratuita e você recebe semanalmente. Cadastre-se em: www.autotalk.com.br