De tempos em tempos o conceito de fan sem duto (os UDF´s – Unducted Fans), também chamados de propfans vem à tona, em especial em épocas onde acontece um expressivo aumento do consumo de combustível.
Muito em voga nos anos de 1970 e 1980, renomados analistas viam o futuro com aeronaves UDF já em meados da década de 1990 mas nada disso aconteceu. Por quê?
Atualmente apenas a francesa Safran (sucessora da conterrânea Snecma) trabalha com esse conceito, mas para explicar um pouco a respeito dele é importante compreendermos a diferença de hélice e fan, tema que logo no inicio como editor do AUTOentusiastas, abordei escrevendo um artigo sobre turbinas a gás (motores a reação, antes que algum purista questione) e entre os temas abordados um foi o propfan. Aproveitarei e recapitularei esse assunto neste texto.
Hélice
Hélice é o dispositivo mecânico que transforma o movimento rotacional em empuxo linear através de um fluido em estado estacionário, tracionando o corpo onde ela está ligada, analogamente a um parafuso entrando em um pedaço de madeira, por exemplo. O movimento rotacional acaba gerando uma tração” puxando” o parafuso para dentro.
Exatamente por essa razão, uma das traduções de hélice para língua inglesa seja “airscrew”, ou, parafuso de ar.
Para a hélice gerar esse movimento, existe um torque envolvido (existe uma força exercida em uma árvore para sua rotação) em função da rotação de trabalho. E como já foi visto aqui também, o produto do torque pela rotação de trabalho representa a potência gerada pelo motor.
Fan
O conceito de fan pode ser literalmente traduzido como ventilador.
A principal diferença do fan em relação a hélice consiste no fan ser o dispositivo mecânico que impulsiona o fluido em que ele está inserido, gerando um movimento de ação e reação e com isso, empuxo.
Por essa razão, nos motores a reação, o seu desempenho é medido em newtons (Sistema Internacional) ou em libras-força (lbf, mais tradicional por se tratar de medidas imperiais, tradicionais na aviação).
Normalmente os fans na aviação são dentro de dutos cilíndricos que, entre as vantagens, reduzem as perdas de eficiência nas extremidades do fan, além da segurança em solo.
O formato do duto também permite o melhor aproveitamento do fluxo de ar no sentido de produzir o empuxo nos motores a reação.
Propfans
Com o primeiro choque do petróleo em 1973 houve um acelerado interesse em otimizar o rendimento dos motores a reação aeronáuticos, capitaneados pela Nasa e pela fabricante de hélices Hamilton Standard, no desenvolvimento de novos motores visando maior eficiência no consumo de combustível.
Naquela época a ideia era desenvolver um conceito avançado de turbo-hélice capaz de oferecer um desempenho análogo aos dos turbofans da época com expressiva redução no consumo de combustível. Nas palavras da Hamilton Standard, propfan consiste em um “propulsor de múltiplas de pás de pequeno diâmetro, passo variável e curvas, com finas seções de aerofólio avançados, integrado com uma nacele contornada para retardar o fluxo de ar através das pás, reduzindo assim as perdas de compressibilidade e projetado para operar com um motor de turbina e usando um único estágio e engrenagem de redução”. O objetivo era o voo eficiente entre 390 e 480 nós (720 km/h e 890 km/h).
O conceito foi aperfeiçoado e aquilo que era para ser um turbo-hélice avançado acabou migrando para um conceito de fan sem duto, trabalhando com fans contrarrotativos para minimizar as perdas rotacionais e aumentar a eficiência propulsiva. De turbo-hélice, ficou o passo variável e embandeiramento das pás do fan.
Os primeiros testes foram feitos em um jato Gulfstream adaptado com um motor tipo propfan nas asas e a Hamilton Standard, junto com a Allison e a Pratt & Whitney (que tal qual a Hamilton Standard, era uma divisão da United Technologies) passaram a desenvolver o seu motor propfan, o Pratt & Whitney/Allison 578DX.
Basicamente tratava-se de um turboeixo T701 (motor derivado do Allison 501-D13 do Lockheed Electra), com fans Hamilton Standard e participação da Pratt & Whitney. Tinha como característica o emprego de uma caixa de redução entre o eixo da turbina e o fan de 6 pás de 3,5 m de diâmetro, produzindo um empuxo máximo de 22.000 lbf ou 97.861 newtons.
A General Electric nesta época via seu motor CFM-56 em parceria com a Snecma ganhar mercado nos Boeings 737-300 e subsequentes, bem como na futura família Airbus A320. Todavia, se valendo dos estudos da Nasa, a empresa também desenvolveu seu propfan o GE 36.
O GE 36 era um motor com fans abertos contrarrotativos de 8 pás cada, sendo o dianteiro de 3,56 m de diâmetro e o traseiro, de 3,25 m. Diferia do seu congênere da Pratt & Whitney/Allison por não ter caixa de redução, ou seja, as turbinas eram acopladas diretamente ao fan, deixando o conjunto mais leve e simples. O empuxo máximo produzido era de 25.000 lbf ou 111.205 newtons.
Ambos os motores foram testados em bancos de testes de voo, com um MD-81 tendo o motor turbofan JT8D esquerdo removido e em seu lugar, colocado os propfans conceito. Um Boeing 727 também teve seu motor removido e em seu lugar, um GE36 colocado como banco de provas.
Tanto a Boeing quanto a McDonnell Douglas planejavam ter os propfans em seu portfólio de produtos. A Boeing, com o 7J7, uma aeronave de cerca de 150 lugares usando motores GE36 (o Allison foi descartado) e a McDonnell Douglas, a família MD90, que na década de 1980 era planejada para ser equipada com ambas as opções de propfan.
Embora os propfans fossem promissores em termos de consumo de combustível, com economia declarada de cerca de 20% em relação aos motores turbofans da época (leia-se JT8D), alguns problemas ficaram evidentes. O uso de rotores contrarrotativos provocavam um elevado nível de ruído, o risco de uma falha catastrófica do fan sem duto danificar a fuselagem e a questão da fadiga produzida por ondas sonoras (fadiga acústica) na estrutura da aeronave.
A queda nos preços do petróleo aliado com o atraso no desenvolvimento dos propfans e o surgimento de turbofans mais eficientes acabaram por encerrar os projetos dos profans americanos: O 7J7 não foi desenvolvido e em seu lugar entrou uma nova geração de Boeings 737 (a familia NG) e o MD-90 acabou recebendo os motores turbofans convencionais IAE V2500.
Apesar disso, o conhecimento adquirido na confecção de lâminas de fans dos propfans foi extensamente empregado pela GE na produção dos fans dos motores GE90 e GEnx
O conceito dos propfans também foram alvos de estudos na antiga União Soviética, estudos esses que se seguiram após a sua dissolução em 1991.
Desde a década de 1970, o Escritório de Projetos Antonov passou a trabalhar em um sucessor para o cargueiro militar quadrimotor turbo-hélice Antonov An 12 e complementar ao quadrirreator Ilyushin Il-76. Essa aeronave, denominada An 70 entretanto só voou em 1994, mas mesmo assim, só teve dois protótipos construídos.
Equipado com motores Progress D-27 de 26.800 lbf de empuxo, o An 70 tem dois fans contra rotativos de 8 pás dianteiros e 6 traseiros de 4,25m de diâmetro, sendo a única aeronave a voar somente com motores do tipo propfan.
Embora alguns digam que o Antonov An-70 seja um turbo hélice batizado de propfan pelo fabricante, um fato é inegável, todas as características do An 70 indicam para ser um propfan: com pequeno diaâmetro do rotor (um Kuznetsov NK12 tem hélices de quase 6 metros de diâmetro!) e múltiplas lâminas contrarrotativas.
Atualmente apenas a Safran e a Rolls-Royce vêm desenvolvendo trabalhos em torno dos motores UDF para a aviação comercial. Se eles virarão realidade? Um dia serão, afinal, há 40 anos já falam que será o motor do futuro…
DA