Por diversas vezes leitores e mesmo amigos me perguntam se em casa temos alguma preferência por carros franceses. Neste momento, os dois são dessa nacionalidade e o meu anterior também era. Antes disso, tive outro — exatamente, dois Citroën e um Peugeot. Meu marido, um Peugeot. Fora estes, tivemos de tudo: Fiat Tipo, VW Gol, Fiat Uno, Chevrolet Kadett, VW Voyage, VW Logus, Ford Escort, Toyota Corolla (dois ele e um eu), VW Fusca e não lembro o que mais. Diria que somos bastante internacionais.
Na verdade, não temos é preconceitos contra nacionalidade de carros. Tudo depende do momento: se estamos em fase de muitas viagens pelo Brasil, há necessidade de porta-malas grande. Se pegamos muita estrada, mas sem muita bagagem, motor mais possante. Se o momento é de rodar muito, mais quilômetros por litro. E, claro, depende do nosso momento econômico. Estamos poupando por algum motivo específico? Entrou algum dinheiro extra e pode ir para um carro mais caro? E por aí vai. Ou seja, muito autoentusiasmo, mas com alguma racionalidade.
Mas a outra pergunta que sempre me fazem e que nunca soube responder é por que os argentinos compram tantos carros franceses. Muitos acham que eu faço isso por ser argentina. Bem, já expliquei que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Mas não vice-versa.
O fato é que na Argentina a preferência acaba recaindo mesmo é sobre carros que são fabricados no país, independentemente da origem. Durante muitos anos houve enormes dificuldades de se importar carros e peças — houve não, há, e mesmo quando se levantam barreiras depois de algum tempo, pá!, voltam a ser impostas. Entra governo, sai governo, é uma gangorra e todo mundo prefere não arriscar e comprar veículos que tenham fábricas estabelecidas no país. Nos vizinhos do Mercosul, no máximo — e mesmo assim, já há quem desconfie (foto abre).
Eu mesma tive que comprar uma antena para o carro do meu falecido tio Horacio pois o prazo de espera lá era de mais de seis meses — e, mesmo assim, não havia garantia de entrega nesse período. Fui a uma loja dessas tipo supermercado de autopeças e me pediram um dia para trazê-la da outra, que era a uns 10 quilômetros de distância, ou eu mesma poderia ir até lá. Optei pela entrega na minha casa e em 36 horas lá estava a antena. Aquela comum, tipo tubarão. Nem era muito cara nem rara, pois o carro era fabricado nos dois países. Mandei com o primeiro conhecido que viajou, pois era uma caixinha pequena que sequer incomodava.
Com outro tio aconteceu o mesmo, mas aí já era um para-choque e seria bem mais complicado achar alguém que levasse uma encomenda dessas — se bem que anos atrás o então chefe do meu marido nos pediu para trazer de Buenos Aires… uma sela de montar, com arreios, estribos e tudo. Algo, como vocês poderão imaginar, extremamente prático, fácil de achar (nós íamos por 3 dias apenas), que cabe em qualquer mala de mão… Enfim, o raio da sela veio num saco de lixo que minha prima me arrumou com o faxineiro do prédio dela, daqueles gigantes e extra reforçados, meu marido trouxe no muque mesmo, e eu vim com os arreios e os estribos numa sacola no ombro porque fiquei com receio dessas geringonças no raio-x. Achei mais fácil trazer tudo junto e explicar do que ter que abrir a mala. Bem, diria que a pessoa que nos encomendou tudo isto levou o significado de “sem noção” a um novo patamar.
Mas voltando às preferências dos argentinos por marcas, os carros americanos sempre fizeram enorme sucesso também. Que atire o primeiro pistão quem já não viu um Ford Falcon caindo aos pedaços ainda rodando em algum lugar da Argentina? Os primeiros chegaram importados, mas foram montados e adaptados às condições das estradas e das ruas argentinas na fábrica da Ford em La Boca. Os nacionais foram fabricados entre 1962 e 1991 e a produção chegou a quase 500.000 unidades nesses quase 30 anos. Era superrobusto e aguentava qualquer coisa, por isso foi usado como carro de família, táxi, para polícia (ok, tem também o lado obscuro da história, pois foi usado por grupos paramilitares, mas vamos deixar isso de fora desta vez) e, suprema honraria, nas competições de Turismo Carretera (semelhante à Stock Car brasileira) onde teve um enorme sucesso.
Atualmente (acumulado do primeiro semestre de 2021), o carro mais vendido na Argentina é o Fiat Crono. Lá ainda se preferem os sedãs. Suves ainda não tem muito apelo assim como caminhonetes, mas as vendas estão subindo lá também. Dos 10 carros mais vendidos em 2020, seis são sedãs, três são picapes e um, suve (T-Cross).
Com a cor dos carros é a mesma coisa. Aqui vemos, basicamente, branco, preto e prata. Lá ainda há muito verde, vermelho, tijolo, azul profundo — sempre cores metálicas e geralmente escuras, discretas, mas ainda são mais variadas.
Não sei se isso ainda vai mudar, como não sei quando foi que mudou a preferência do brasileiro por carro de quatro portas. Lembro quando cheguei ao Brasil, nos anos 1970, que estranhei que todos os carros tinham duas portas, inclusive os táxis. Achava aquilo extremamente incômodo, especialmente numa cidade como São Paulo onde chove muito. Na Argentina carro de duas portas eram só os superesporte. E, de repente, não sei quando nem porque, aqui todo mundo passou a querer carro de quatro portas. Claro que gostei, mas nunca entendi como aconteceu esse fenômeno. Parece eu com meus óculos. Num dia fui dormir com visão de águia e quando acordei não enxergava bem de perto. Assim, do nada, passei a ter que usar óculos para ler o rótulo do iogurte ou textos no celular. Com os carros de quatro portas foi a mesma coisa. Parece que fui dormir quando o mercado queria uma coisa e acordei quando ele queria outra. Talvez aconteça isso com a nacionalidade dos carros.
Mudando de assunto: Assisti o docu-drama (mistura de documentário com drama) “Schumacher”. Achei mais ou menos. Claro que é a favor dele, já esperava isso, mas não entendi por que param abruptamente e pulam toda a parte dele na Ferrari. São sempre as mesmas pessoas a falar, não tem absolutamente nada de novo e, óbvio, deixam de lado todos os lances polêmicos. E quando o fazem é tão parcial… Damon Hill fala sobre o incidente com ele, mas não Jacques Villeneuve (até imagino o que diria). Não sei, nem as imagens achei tão boas assim. Mesmo a vida familiar, que seria o foco do filme, é muito mal abordada.
NG