Hoje vou dedicar todo meu espaço aqui a Denise McCluggage, a primeira mulher jornalista a entrar para o Automotive Hall of Fame. Já falei um pouco sobre ela neste espaço, mas junto com outros assuntos.
Denise conseguiu seu lugar na história não por ser mulher, mas pelos seus feitos. Hoje não é assim tão raro termos mulheres em praticamente todas as áreas dos esportes (na Argentina vi uma repórter entrar nos vestiários masculinos em jogos de futebol o que, claro, suscitou bastante polêmica), incluindo o automobilismo. Mas vou dedicar este espaço a ela, algo que talvez devesse ter feito lá atrás. Paciência.
Mas, novamente, ela foi a primeira mulher jornalista a entrar para o Automotive Hall of Fame, em 2001. Não é pouco, pois há mais de 800 nomes no Hall. Fica o registro de que ela também entrou para o Motorsports Hall of Fame este ano, no mesmo dia que o brasileiro Hélio Castro Neves, 8 de março. Para esclarecer, são dois Halls of Fame, o Automotive e o Motorsports.
.Denise McCluggage nasceu em 1927, no Kansas. Seu primeiro emprego fora da escola foi trabalhar para o San Francisco Chronicle como repórter. Ela primeiro cobriu os “esportes radicais”, como corridas de automóveis, esqui e paraquedismo. Ela mesma saltava de paraquedas, esquiava em montanhas difíceis e tornou-se campeã de esgrima.
Com o aumento na quantidade de corridas de estrada amadoras, que aumentavam rapidamente na Califórnia naquela época, Denise convenceu seus editores no Chronicle de que poderia cobrir melhor as corridas como participante, já que as repórteres mulheres não eram permitidas nos boxes. Com isso, Denise inventou a nova categoria de jornalismo esportivo participativo.
Foi enquanto ela morava em San Francisco que descobriu os primeiros carros esporte sendo importados para os EUA, especificamente, o MG TC. Namorou Steve McQueen, o excelente e lindíssimo ator apaixonado por carros e motos e que costumava pilotar pessoalmente todo tipo de veículo em seus filmes, além de competir profissionalmente em várias categorias. Reza a lenda que parte do motivo para o namoro foi que ele tinha um MG TC, assim como ela, mas ambos tiveram muitos e icônicos veículos.
Em meados dos anos 1950, McCluggage mudou-se para o Leste e foi trabalhar no New York Herald Tribune. Substituiu seu MG por um Jaguar XK 140 e começou a competir como piloto profissional. Ao mesmo tempo, ajudou a fundar e editar a Competition Press, o primeiro semanário de automobilismo da América, hoje publicado como Autoweek.
Foi em Nova York que Denise casou-se com o então pouco conhecido ator Michael Conrad, que tempos depois faria o seriado “Hill Street Blues” (às vezes chamado de “Chumbo Grosso”, no Brasil), mas se separaram depois de uma discussão quando o carro em que estavam subitamente parou de funcionar e ela desceu para tentar consertar. Ele gritou para ela não mexer no motor e disse que não ficaria ao lado de uma mulher enquanto ela consertava um carro. A própria Denise contou em várias entrevistas que não foi isso que motivou o divórcio, que o casamento já não ia bem antes do carro apresentar defeitos, mas essa situação foi a gota d’água.
Imagino o que deve ter sido para uma pessoa como Denise, que desde pelo menos seus cinco anos gostava de carros e sempre foi extremamente independente, ouvir algo assim. Justamente ela, que começou escrevendo sobre esqui na neve (no inverno) e corridas de automóveis (no verão) para diversas publicações. Alguém que quando foi cobrir a Indy 500 em 1956 havia entrevistado pilotos e engenheiros gritando desde o outro lado da cerca porque naquela época mulheres não podiam entrar nas áreas dos carros… Até que um colega do New York Times ameaçou retirar-se e tirar seu jornal da cobertura do evento e, subitamente, Denise pôde entrar na área do circuito até então proibida para mulheres. Sim, caros leitores, já houve um tempo em que jornalistas se ajudavam mutuamente, mesmo quando trabalhavam para publicações concorrentes — bem nem todos, mas muitos. Eu mesma tive a felicidade de viver muitos momentos assim.
Mas nem sempre o apoio de um colega resolveu. Em 1958, o piloto da equipe Ferrari, Luigi Chinetti, queria que ela corresse com ele em Le Mans, mas as autoridades francesas da corrida disseram: “Non, pas de femmes” (“não, nada de mulheres”).
Denise publicou seu primeiro artigo apareceu na primeira edição da Competition Press em 16 de julho de 1958, e ela escreveria para a publicação pelo resto de sua vida. Sua última coluna foi impressa cinco dias após seu falecimento, em 2015. Só pelo fato de ela ter sido uma das fundadoras da Autoweek já mereceria entrar para o Hall of Fame, não? Por sinal, ela é queridíssima até hoje dentro da publicação e fora dela. Recebeu diversos prêmios na categoria Carros, como o prêmio Ken W. Purdy de Excelência em Jornalismo Automobilístico e o prêmio Dean Batchelor Lifetime Achievement, além de um pelo conjunto da obra, concedido pelo International Automotive Media Awards (IAMA). Sua coluna semanal chamada “Drive, she said” apareceu em cerca de 90 jornais nos EUA e Canadá.
Denise atraiu um enorme público para as corridas de automóveis, pois além das fotos que ela mesma fazia, seu texto era muito bom e traduzia bem o que era correr. Era diferente daquele de um repórter que nunca esteve ao volante de um carro de competição. Vejam, caros leitores, não digo que não se possa escrever sobre automobilismo sem ter sido piloto, assim como um bom técnico de futebol não precisa ter sido jogador (e muito menos bom). É que no caso de Denise, ela extraía como ninguém esse diferenciador e o traduzia para o público. Essa era sua característica principal.
Ah, mas não menos importante, Denise não apenas pilotou carros de corrida. Em 1959, levou um Porsche Carrera RS à vitória no Thompson Raceway em Connecticut, ficou em quinto lugar no Grande Prêmio dos Estados Unidos em Watkins Glen, em 1960, e venceu a classe GT na 12 Horas de Sebring, na Flórida, em 1961 dirigindo um Ferrari. Antes que a década terminasse, ela correu por todo o mundo, vencendo o Rali de Monte Carlo em 1964 dirigindo um Ford Falcon de fábrica e competindo em alguns dos maiores locais do mundo; Daytona Beach, Flórida; Nürburgring, Alemanha; e Elkhart Lake, Wisconsin, entre outros.
E quando as corridas de carros esporte europeus realmente começaram a se popularizar nos Estados Unidos, ela ganhou um apelido: Lady Leadfoot (“senhora pé-de-chumbo”).
Mudando de assunto: depois da ¨GP da França, acho que o campeonato deste ano está bastante delineado, mas como dizia o grande Juan Manuel Fangio, “carreras son carreras” e acho que as coisas podem mudar até o final do ano. Pessoalmente, gosto do Verstappen e do quanto ele evoluiu nos últimos dois anos. Quem me acompanha sabe o quanto já o critiquei, mas reconheço que hoje ele merece mais um título. Sobre Leclerc, nem sei bem o que dizer — torço muito por ele, acho-o talentosíssimo, mas assim como Ricciardo, está ficando difícil torcer pelo monegasco. A equipe erra demais e ele também faz bobagens, embora nesta última prova as teorias da conspiração rezem que ele assumiu um erro que seria mecânico. Sei lá. Só sei que está muito emocionante ver Fórmula 1.
NG