Antes de falarmos de carros híbridos, temos que entender o que nos trouxe até aqui e por que todos os fabricantes vêm investindo altos recursos em pesquisa e desenvolvimento nesse campo. Sem entrar na discussão dos carros serem os vilões da poluição global, pois os dados comprovam que tem muita poluição vinda da própria geração de energia (entenda-se também como calor para aquecer os ambientes frios).
Para ficar mais fácil, vamos analisar os limites de emissões no Brasil em apenas dois dos principais gases: CO (monóxido de carbono) e NOx (óxidos de nitrogênio – que é a somatória de 7 gases resultantes da queima de combustível em alta temperatura), ambos expressos em gramas emitidas por km rodado (g/km).
Em 1988. quando o Brasil instituiu o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), ainda no PL-1 os limites eram de 24 g/km no CO e 2 g/km no NOx. Após sucessivas reduções dessas emissões chegamos a 2022 com o PL-7 exigindo de 1 g/km para CO e 0,08 g/km para NOx.
Para obter essas reduções muita tecnologia foi incorporada aos veículos: injeção eletrônica multiponto, que evoluiu para injeção direta, um dos principais contribuidores; a evolução do software de controle tem papel destacado nesse resultado. No sistema de tratamento de gases de escapamento, o conversor catalítico, ou catalisador, é o elemento responsável para fazer a purificação dos gases através de redução catalítica. Quem ainda se lembra das aulas de química no segundo grau?
Os catalisadores iniciaram essa caminhada posicionado sob o veículo, subiram e hoje estão instalados muito próximos do coletor de escapamento para que receba gases mais quentes na fase de aquecimento do motor e consiga se autoaquecer para começar a trabalhar muito mais cedo após a partida a frio do motor.
Os materiais utilizados também evoluíram. A cada fase do Proconve a carga de metais preciosos como ouro, ródio, paládio e platina é aumentada. O recheio do catalisador é tão nobre e caro que passou a ser alvo dos bandidos em todo o mundo.
Para atingir as novas reduções dos níveis de emissões como as exigidas para o PL-8 em 2025, é praticamente impossível atingi-los sem a de ajuda da propulsão elétrica em conjunto com o motor térmico, e é justamente por isso que as tecnologias híbridas, já disponíveis em outros países, começam a se popularizar por aqui. Portanto, vamos conhecer as tecnologias e como elas trabalham para ajudar na redução do consumo de combustível e, consequentemente, das emissões.
MHEV – Mild Hybrid Electric Vehicle
Atualmente a maioria dos veículos utiliza alternadores inteligentes que deixam de carregar a bateria por alguns segundos, aliviando a carga do motor quando o veículo é acelerado com maior vigor. E é justamente essa tecnologia que antecede os MHEV – veículo híbrido elétrico leve, onde o alternador é substituído por um componente mais inteligente que é o motor/gerador. Há outras variações de projeto como a substituição do motor de partida para instalação do motor/gerador entre o motor e câmbio, ou até mesmo no eixo traseiro, mas no final todos tem a mesma função descrita a seguir.
Legenda – EM=Motor/Gerador / ICE=motor de combustão interna / Starter=motor de partida / TRN=câmbio (Fonte das imagens: x-engineer.org)
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Essa é a tecnologia mais simples nesse caminho da eletrificação, ou da ajuda de um sistema elétrico na propulsão. O novo motor/gerador tem instalação semelhante à do alternador e conectado mecanicamente ao motor através de polia do virabrequim e respectiva correia poli-V dedicadas, e pelo lado elétrico é ligado à bateria de 24 ou 48 volts.
Nos três desenhos acima notam-se engrenagens em vez de correias, mas é apenas para fins didáticos. Para o motorista é uma experiência nova e sobretudo agradável não escutar mais o engrenamento mecânico e som de engrenagem do motor de partida convencional desde que foi criado pelo engenheiro americano Charles F. Kettering em 1911. A partida do motor é absolutamente silenciosa, de grande valia nas partidas sucessivas nos carros que dispõem da estratégia de desligar e ligar motor nas paradas.
Legenda: 1-motor/gerador / 2-absorvedor de energia / 3-polia motora / 4-coreia poli-V / 5-compressor do ar-condicionado (Fonte: divulgação Continental)
Em desacelerações e frenagens o motor/gerador assume a função de geração máxima de energia elétrica aumentando o carregamento da bateria. Em arrancadas e acelerações somam-se a sua potência e a do motor a combustão. Em alguns veículos o motor/gerador ainda consegue manter o veículo rodando por algumas centenas de metros sem que o motor a combustão esteja em funcionamento (veja como isso é possível no teste do novo Kia Sportage). O resultado é um menor consumo de combustível e consequente redução da emissão de gases. O sistema ainda pode ser calibrado para fornecer essa potência adicional apenas nas condições mais críticas de emissões e consumo do motor a combustão.
Alguns veículos com essa tecnologia que já avaliamos no AE: Kia Sportage, Audi A3, Discovery Sport, Mercedes-Benz C200 EQ Boost
HEV – Hybrid Electric Vehicle
Os veículos híbridos elétricos utilizam tecnologia mais sofisticada onde o tradicional câmbio é substituído por um conjunto de motores elétricos, normalmente chamados de e-CVT. Um dos primeiros carros a adotar esse sistema foi o Toyota Prius em 1997, e veículos maiores como o Chevrolet Tahoe e Silverado Two Mode Hybrid foram os precursores no mercado de suves e picapes americanos em 2007.
Apesar do e-CVT ter um comportamento similar a um CVT, a construção é bem diferente sendo basicamente um câmbio inteligente com um conjunto de engrenagens planetária e satélites com uma infinidade de relações de transmissão à sua disposição. Ao analisar constantemente a velocidade do veículo, as condições da estrada, a potência do motor e o percentual de aceleração dado pelo motorista, o câmbio seleciona a relação de transmissão ideal (mais eficiente) para aquele momento preciso. O próprio sistema seleciona quanto de potência do motor a combustão e/ou do motor elétrico é necessária para manter o veículo na condição requerida.
Clique nas fotos com botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler as legendas (Fonte: divulgação Schaeffler)
Em alguns casos apenas a potência do motor elétrico é suficiente para propulsão do veículo, em outros casos é necessário a potência conjunta. E como o e-CVT possui dois motores/geradores, há momentos em que o motor a combustão utiliza um dos conjuntos geradores para carregar a bateria enquanto o outro conjunto motor/gerador é responsável pela propulsão às rodas. Nas frenagens o motor a combustão é desligado e os dois conjuntos motor/gerador ficam responsável pela regeneração de energia.
Nos veículos HEV a bateria, normalmente de íons de lítio, não tem grande capacidade de armazenamento e o carregamento é feito exclusivamente pelo motor a combustão e por regeneração. Geralmente a capacidade é em torno de 1 kW·h, portanto o alcance em modo puramente elétrico é pequeno, mas as emissões e consumo são bem otimizados principalmente para percursos urbanos, onde o anda e para constante é o grande vilão do consumo e emissões.
Alguns veículos com essa tecnologia que já avaliamos no AE: Lexus UX 250h, Lexus CT200h, Toyota Prius, Corolla Hybrid, Corolla Cross Hybrid, Ford Maverick Hybrid Lariat, Honda Civic Hybrid, GWM Haval H6
PHEV – Plug-In Hybrid Electric Vehicle
Os veículos elétricos híbridos plugáveis são similares aos HEV na arquitetura de propulsão com motor a combustão e e-CVT de dois motores/geradores. A grande vantagem é serem equipados com bateria de maior capacidade de armazenamento que recebe carga elétrica de fonte externa (carregador AC ou DC), daí o nome plugável (Plug-In).
Nos PHEV há variações entre os fabricantes onde alguns utilizam o motor a combustão para propulsão no eixo dianteiro, e propulsão elétrica no eixo traseiro. Nesses casos o câmbio acoplado ao motor a combustão pode ser o mesmo da configuração não híbrida e o motor elétrico funciona como fonte de potência e/ou tração adicional.
A maior capacidade de armazenamento da bateria dá ao motorista a opção de escolha do modo de condução entre elétrico, híbrido ou apenas com motor a combustão para reservar energia elétrica na bateria para utilização futura em trajetos urbanos. Trata-se de um recurso muito útil quando em viagem a grandes centros urbanos, pois há uma otimização no consumo
Os PHEV têm a autonomia total como seu principal atributo, podendo ser um veículo puramente elétrico para uso no dia a dia, sem sofrer de ansiedade de alcance em viagens mais longas. Ao atingir baixo nível de carga na bateria, o veículo torna-se um HEV onde o motor a combustão e a regeneração em desaceleração ficam incumbidas de manter a bateria com um mínimo de carga para uso no modo híbrido.
Alguns veículos com essa tecnologia que já avaliamos no AE: Audi Q5, BYD Song Plus, GWM Haval H6 e H6 GT, Jeep Compass 4Xe, Porsche Panamera Hybrid
Futuro
Ao que tudo indica os veículos híbridos chegaram para fazer a transição da propulsão por motores térmicos para a elétrica, porém é difícil precisar se essa transição será de 5, 10 ou 100 anos. Os limites de emissões e as metas de melhoria de eficiência energética têm forçado a rápida migração para o elétrico em alguns países e regiões.
No Brasil, o PL-8, a ser implementado em 2025, ainda não traz a exigência da eletrificação total, mas irá medir as emissões de gases e eficiência energética da somatória do portfólio de cada fabricante. Portanto, ter veículos altamente eficazes energeticamente (híbridos ou elétricos) no portfólio das empresas permitirá que veículos de propulsão térmica continuem em produção, mas ainda assim com redução dos níveis de emissões em relação ao PL-7.
Muito se especula a possibilidade de geração de energia elétrica através do hidrogênio, mas isso talvez seja melhor deixar para discutirmos em outra oportunidade. Lembro que em 2007, quando fui trabalhar na GM americana, o departamento sob minha responsabilidade tinha uma frota de mais de 300 Saturn Vue, o primo-irmão do Chevrolet Captiva, rodando em várias cidades dos EUA e Canadá e abastecidos com hidrogênio. Portanto essa tecnologia não é tão nova assim, não. Um dia eu conto!
GB