A engenharia criou os automóveis para permitir a locomoção das pessoas de forma mais rápida e eficiente. Não demorou muito, o automóvel foi usado para disputar corridas, e as corridas evoluíram até às incríveis formas de competição que vemos hoje, em diversas categorias. Os carros de corrida tornaram-se o ápice da tecnologia automobilística ao longo dos anos, uma constante evolução.
Muitos carros de corrida viraram lendas por suas proezas e conquistas. Quem já não sonhou em ver de perto um carro histórico, como um McLaren usado por Ayrton Senna, ou um Jaguar XJR vencedor da 24 Horas de Le Mans? Carros com histórico de corrida mexem com os entusiastas a fundo. São como obras de arte sobre rodas, intangíveis para nós, meros mortais.
Vemos geralmente duas frentes de pensamento sobre o que fazer com carros clássicos de competição. Há os que defendem que os carros com histórico devem ser preservados em museus, longe das pistas. Outros acreditam que seus habitats naturais não podem ser esquecidos, e o lugar certo é na pista. Há ainda o meio-termo, com carros de museu que são levados para eventos e participam de corridas de clássicos e demonstrações. Esta, para mim, é a melhor forma de ser manter vivo um clássico de corrida.
Os carros de museu geralmente são os que possuem um histórico mais rico, como vencedores de corridas importantes, ou carros que foram campeões durante a vida. Muitas vezes ficam nos museus particulares das fábricas, ou em coleções dedicadas ao tipo de carro específico. É compreensível querer preservar da melhor maneira possível um carro com tamanha importância, dado o seu valor histórico, mas também não é nenhum pecado levar o carro para dar umas voltas em uma demonstração em um ambiente controlado.
Algumas das melhores coleções de carros de corrida estão na Europa. O museu de Donington Park, com a Grand Prix Collection (veja o site aqui) é um dos maiores, com uma grande quantidade de carros, especialmente F-1. Os fabricantes possuem seus museus particulares, como o incrível museu da Porsche e o museu da Ferrari. Alguns restauradores contam com museus próprios, como a Canepa Racing, especializada em Porsche. Nos museus americanos há sempre alas dedicadas aos carros de corrida, e também museus específicos, como o Wally Parks Museum, dedicado aos dragsters e carros associados à NHRA.
Manter um carro exposto em um museu aberto ao público é provavelmente a melhor forma de permitir que a maioria das pessoas tenham acesso e possam ver de perto muitos modelos famosos. Pude ver alguns carros históricos em museus, alguns até no estado em que saíram da pista pela última vez, com sujeira de óleo, borracha de pneu e tudo mais. É uma boa forma de ter contato próximo. No Brasil, há o Museu do Automobilismo Brasileiro (veja o site neste link) localizado em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, com um bom acervo de modelos. Alguns deles participam de eventos em pista.
Outros colecionadores mantém os carros em coleções particulares, não abertas ao público. Alguns usam os carros em corridas de clássicos, outros apenas os apreciam em seus próprios museus a portas fechadas. Os que levam os carros para a pista não poupam esforços para ter um bom carro e disputam corridas até acirradas.
Acidentes
Eis que surge a discussão, pois o maior medo de levar um carro histórico para a pista é o risco de acidentes. É inerente ao esporte, não há o que fazer, mas uma dose de cuidado um pouco maior pode evitar muitos estragos. Nem sempre é possível evitar um acidente, e vemos alguns carros realmente caros e raros serem danificados em batidas. É uma dor no coração, mas faz parte do risco. Como qualquer máquina, os carros antigos também estão sempre sujeitos a falhas e quebras. Faz parte do jogo.
Recentemente saiu na mídia a notícia de que o experiente piloto Jochen Mass (ex-F1 e vencedor de Le Mans) bateu com um Mercedes-Benz 300 SLS em um evento em Goodwood, acabando com a frente do 300 e com a traseira de um Lister inglês. Alguns anos atrás, um Ferrari 250 TR avaliado em alguns milhões de dólares bateu em Laguna Seca, danificando consideravelmente a frente do carro. Acidentes acontecem, mesmo com um piloto bem qualificado como Mass.
Será que este risco vale a pena? Será que é a melhor opção colocar um carro único sujeito a danos que podem ser graves? Para muitos sim, e para estes que gostam de colocar os carros de volta à pista existem diversos formatos e categorias de corridas para carros clássicos. Subida de montanha, rali de regularidade, corridas de sprint, corrida contra o relógio, até mesmo corridas mais longas. Um grupo de campeonatos criado pela FIA chamado Masters Historic Racing (veja mais no site oficial) reúne diversas destas categorias de clássicos em competições organizadas de forma a colocar lado a lado modelos históricos de épocas semelhantes.
Encontros especiais como o Monterey Historics em Laguna Seca e o Goodwood Festival of Speed reúnem carros de diversos tipos, uma vez ao ano, para corridas de exibição com carros e pilotos lendários do automobilismo mundial. Carros desde os anos 1920 até os anos 2000 podem ser vistos em ação, e a experiência de ver um grid formado por lendas do automobilismo não tem preço. Estive no evento de Laguna Seca há alguns anos, e vale cada centavo. Carros de todos os tipos e épocas, pilotos amadores correndo junto com profissionais e lendas vivas como Sir Stirling Moss.
Outro evento muito legal é a Mille Miglia, que reproduz em parte a lendária corrida por estradas e vilarejos italianos. Neste caso, nem todos os carros são originalmente de corrida de suas épocas ou participaram da MM original. O requisito é que na época da corrida original (1927 a 1957), o modelo do carro tenha participado de uma das edições da corrida.
Parte dos carros destes eventos são de museus e parte de coleções particulares, mas todos são usados. Pessoalmente acredito que este meio-termo é a melhor forma de se preservar a história. Se um carro estiver em condições de rodar e não prejudicar sua integridade, deve rodar. A manutenção de um carro de corrida é mais complicada que a de um carro normal de rua, mas geralmente quem possui ou administra uma coleção de carros deste tipo pode bancar tais custos e complexidades. É possível conseguir peças de reposição hoje em dia, de época ou fabricação atual, como pneus, rodas e componentes de motores. O pior mesmo é a funilaria no caso de uma batida, pois recuperar um componente mecânico é uma coisa, reconstruir uma carroceria moldada muitas vezes à mão por artistas italianos, é outra.
Alguns eventos especiais tiram carros raros do repouso profundo para comemorações ou demonstrações. Foi o caso do lendário Mazda 787B, de motor Wankel, o único carro japonês a vencer a 24 Horas de Le Mans, em 1991.
Um carro de corrida parado é como uma orquestra em silêncio. Não podemos apreciar suas melhores características e virtudes. É muito bom ver um Auto Union Typ C V-16 6-litros com compressor de perto, exposto em um display bem iluminado e brilhando de tão limpo? Claro que é, mas é melhor ainda vê-lo de motor ligado acelerando.
É uma experiência única ver de perto um clássico que você admira, motor gritando a plenos pulmões em um circuito. É como uma volta ao passado. Ver na pista um Porsche 917K ou um Ferrari 312 é para muitos a realização de um sonho. Ouvir o ronco de um Chevrolet V-8 da CanAm ou um pequeno quatro-cilindros com compressor dos carros de grand prix dos anos 1930 e 1940 é música para os ouvidos de qualquer entusiasta.
É claro que a conservação de modelos históricos do automobilismo mundial deve ser feita a todo o custo, pois a memória de pilotos e corridas é melhor preservada assim. Mas também é muito importante manter viva a lembrança visual e sonora dos carros que fizeram história nas pistas do mundo. Com um cuidado extra, claro, carros históricos merecem ficar longe da aposentadoria compulsória.
MB
Algumas fotos feitas pelo autor de diversos eventos de clássicos na pista e em museus: