Creio que esta matéria vai causar muita polêmica, porém me deu vontade de escrever a respeito do uso do álcool como combustível.
Sou contrário ao álcool, sim, por mim o carro com motorização flex estaria extinto como os dinossauros.
Em primeiro lugar, o cultivo da cana de açúcar acaba com as terras produtivas de alimentos, de maneira geral. Lembro-me de que quando viajava pelo interior do meu Estado de São Paulo nos idos da década de 1970, vendo culturas de feijão, café, milho, soja, frutas cítricas etc, em fazendas a se perder de vista. A nossa riqueza agrícola era de uma pujança de fazer inveja. Hoje infelizmente, grande parte destas fazendas virou uma monocultura de cana de açúcar para a produção do álcool etílico para servir de combustível nos automóveis e comerciais leves.
O Brasil, um país de vocação agrícola pelo seu tamanho e localização privilegiada no globo terrestre, poderia ser o celeiro do mundo em produção e exportação de alimentos. Nesta linha de raciocínio, estaríamos produzindo máquinas, implementos agrícolas, caminhões e trens, com linhas férreas cortando o país de ponta a ponta para o escoamento da produção. Estaríamos também melhorando e implementando novos portos em nosso imenso litoral para atracagem de navios de grande porte para exportação dos alimentos. Ficaríamos ricos de verdade, com a população mundial dependendo literalmente do Brasil agrícola.
E, infelizmente, tudo começou com o Proálcool.
O Proálcool (Programa Nacional do Álcool) foi uma iniciativa do governo brasileiro de intensificar a produção de álcool combustível em substituição à gasolina. Teve como fator determinante a crise mundial do petróleo, durante a década de 1970, quando o preço do produto estava muito elevado e passou a ter grande peso nas importações do país.
Nesse sentido, em novembro de 1975, foi criado o Proálcool, sendo oferecidos vários incentivos fiscais e empréstimos bancários com juros abaixo da taxa de mercado para os produtores de cana de açúcar e para as indústrias automobilísticas que desenvolvessem carros movidos a álcool.
Na primeira década do Proálcool, os resultados foram positivos, visto que os consumidores priorizavam os automóveis movidos a álcool, especialmente por poderem abastecer nos fins de semana, o que era vedado para a gasolina. Além disso, a diferença de preço do litro era fixa em todo o país, 65%, deixando o carro a álcool artificialmente vantajoso em termos de custo por quilômetro. Veja o leitor que em 1983, as vendas desses veículos dominaram o mercado brasileiro. Em 1991, aproximadamente 60% dos carros do país (aproximadamente 6 milhões) eram movidos a álcool. Houve casos de modelos que nem tinham versão a gasolina, caso do Escort XR3.
Porém, apesar de substituir parcialmente o petróleo, este programa governamental promoveu uma série de problemas, como, por exemplo, a elevação da dívida pública em conseqüência dos benefícios concedidos, o aumento dos latifúndios monocultores, a elevação dos preços de alguns gêneros alimentícios, entre outros.
O Programa começou a ruir à medida que o preço internacional do petróleo baixava a partir do início da década de 1990, tornando o álcool combustível pouco ou nada vantajoso, até pior em alguns casos, tanto para o consumidor quanto para o produtor. Para agravar o problema, o preço do açúcar começou a subir no mercado internacional, tornando muito mais vantajoso para os usineiros produzir açúcar no lugar do álcool.
Isso levou a uma grande escassez do produto no segundo semestre de 1989, que com isso começou a faltar regularmente álcool nos postos, deixando os donos dos carros literalmente na mão e sem opções. Essa crise de desabastecimento, aliada ao maior consumo do carro a álcool e à menor diferença de preço para a gasolina, levaram o álcool a descrença geral por parte dos consumidores e das fábricas de automóveis. A produção de carros a álcool entrou em forte declínio, chegando ao ponto de a maioria das fábricas não mais oferecerem modelos novos movidos a álcool.
Apesar do pioneirismo brasileiro no ramo do álcool combustível, a “volta” do carro a álcool foi possível graças uma tecnologia desenvolvida nos Estados Unidos, tecnologia essa que conhecemos hoje por flexibilidade em combustível ou, abreviada e popularmente. “flex”. Muitos, inclusive, chamavam e ainda chamam erroneamente tal capacidade como bicombustível, pois esta se refere ao veículo que pode funcionar com combustíveis diferentes em tanques separados, por exemplo, gasolina e gás natural veicular. Aliás, essa diferenciação é oficial, definida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Por acaso foi este mesmo órgão que por uma canetada no final de 2009 renomeou o álcool para etanol, que é o mesmo que álcool etílico. Mas prefiro o termo álcool e, felizmente, o Ae também. Afinal, foi criado o Proálcool e não o Proetanol, não é verdade?
O surgimento da tecnologia foi gerado pela tanto pela crescente pressão do estado americano da Califórnia por carros menos poluentes, sendo oferecidos vantajosos descontos em impostos para os carros que poluíssem menos o ambiente, quanto por questão de segurança nacional, um vez que os EUA àquela altura dependiam em mais de 50% do petróleo do Oriente Médio, região sabidamente instável. As fábricas de automóveis nos Estados Unidos apontaram primeiro para o álcool metílico (metanol), mas produtores de milho do Meio-Oeste americano, sob a égide da Coalition For Ethanol (Coalisão para o Etanol), convenceram governo e indústria a adotar o etanol em vez do metanol nesse processo de encontrar um substituto para a gasolina.
Só que naquele gigantesco mercado de veículos, o maior do mundo então, as fabricas não poderiam simplesmente passar a vender modelos movidos a álcool, pois os consumidores não teriam como abastecê-los com a mesma facilidade de como faziam com os carros a gasolina, em postos pelo país inteiro. Foi então que em 1993 surgiram os primeiros carros “flex” lá, aptos para rodar tanto com álcool quanto com gasolina ou com sua mistura em qualquer proporção. Atualmente há um sem-número de carros flex produzidos pela indústria automobilística americana, mas com o reduzido número de postos que vendem álcool lá, exatamente 2.647 segundo dados do Departamento Energia do país, número ínfimo diante dos 180.000 postos do país, a questão do carro flex nos EUA praticamente morreu.
Enquanto isso, na terra brasilis…
Falava o governo brasileiro que a substituição da gasolina pelo álcool proporcionaria vantagens sócio-econômicas relevantes e sem volta! Dizia o governo, “no caso específico do Brasil, a substituição da gasolina pelo álcool aproveita a mão de obra não especializada e cria novos empregos”.
O que se viu foram as plantações de cana em áreas de terras nobres para o plantio de alimentos e o homem do campo literalmente subempregado. Após a colheita da cana, feita manualmente, ateava-se nas plantações para a queima da palha. Era um cenário dantesco.
A obtenção do álcool de cana de açúcar tem como resultante o subproduto, o vinhoto, na proporção de 15 litros para cada litro de álcool obtido no processo de destilação. O vinhoto é 100 vezes mais poluente que o esgoto doméstico e gera os seguintes problemas:
– Resíduo ácido e altamente corrosivo
– Causa asfixia em animais aquáticos, afugentando a microfauna e a microflora que constitui o “plancton”
– Possui cheiro desagradável
– Quando armazenado em reservatórios a céu aberto contribui para a dispersão de doenças endêmicas, devido a proliferação de insetos vetores.
Muito vinhoto já foi despejado em lagos e rios com graves agressões ao meio ambiente. O vinhoto poderia ser transformado em excelente adubo orgânico em fábricas centralizadas em locais adequados, acabando com o “esgoto a céu aberto”.
Hoje em dia as queimadas estão sendo gradativamente substituídas por colheita mecanizada, porém os pequenos produtores ainda continuam com o antigo processo de incendiar os canaviais.
Resido em Tatuí, no interior de São Paulo, e continuo a ver as queimadas da cana e seus efeitos da “neve negra”, ou seja, as cinzas, poluindo a região.
Outro relevante poluidor do solo são os sulfatos resultantes do ácido sulfúrico também utilizado na produção do álcool. São 5 litros de ácido sulfúrico para cada 1.000 litros de álcool produzido.
Os defensores do álcool como combustível alegam ser estes motores mais limpos gerando menos poluição. Conversa fiada. Hoje em dia os motores com injeção direta de combustível, com gerenciamento eletrônico beirando a perfeição e catalisadores super-eficientes, a gasolina seria tão limpa quanto, embora gerando mais dióxido de carbono, gás inerte, porém prejudicial ao efeito-estufa (outro assunto polêmico).
Falando um pouco a respeito da gasolina, ela uma mistura complexa de hidrocarbonetos, tendo cada um particularidades em termos de volatilidade, massa específica, pressão de vapor e propensão à auto-ignição que é relacionada com a chamada octanagem.
Um desses hidrocarbonetos, o isoctano, é altamente resistente a auto-ignição e por esta razão é definido como 100 na escala de octanagem. No outro extremo está o n-heptano que é altamente propenso a auto-ignição e por este motivo definido como zero na escala.
Exemplificando, 90 % em volume de isoctano e 10% em volume de n-heptano gera uma gasolina de 90 octanas. Mas não é tão simples assim, pois a auto-ignição depende de vários fatores como pressão, temperatura e umidade relativa do ar, que afetam o comportamento da gasolina. E também pela dificuldade de separar os elementos básicos para compor a octanagem desejada.
Para o controle da octanagem, existem vários métodos de estandardização, sendo os principais o RON e o MON. Estes utilizam um motor monocilíndrico com taxa de compressão variável, desenvolvido nos anos 50 pelo CFRC (Corporate Fuel Research Committee). Cada teste consiste em funcionar o motor com o combustível a ser testado, aumentando gradativamente a taxa de compressão até que ocorra a auto-ignição. Com esta mesma taxa de compressão, rodar o motor com diferentes misturas conhecidas de isoctano e n-heptano até que o mesmo nível de auto-ignição ocorra.
Então, a resultante porcentagem de isoctano representa o valor da octanagem do combustível inicialmente testado, chamado RON (Research Octane Number) e/ou MON (Motor Octane Number), dependendo de alguns fatores considerados no teste como rotação do motor, temperatura considerada etc. RON representa a resistência a auto-ignição para baixas rotações, altas cargas com borboleta toda aberta e MON representa a condição de altas rotações e cargas parciais. Normalmente o RON é mais utilizado, representando a média em campo. Como referência, fazendo uma analogia o álcool etílico combustível representa aproximadamente 130 octanas RON.
No Brasil e nos EUA usa-se o índice antidetonante (IAD) como referência à octanagem, resultado da média aritmética da MON e RON. Lá é o anti-knock index (AKI).
A gasolina é bem mais eficiente que o álcool, gerando mais energia por massa consumida, com economia de combustível. O poder calorífico da gasolina é 10.400 kcal/kg e o do álcool etílico, é 6.800 kcal/kg
Meu sonho seria gasolina com no máximo 10% de álcool, de octanagem 95 RON, mínimo nos postos de abastecimento e motores com adequada taxa de compressão, gerando mais potência e minimizando o consumo de combustível, como na maioria dos países no mundo.
Os motores “flex” não são otimizados nem para álcool nem para gasolina, sendo um meio-termo entre ambos. Eu particularmente os tiraria de circulação.
Pode pensar o leitor, e motores 100% álcool, não seria bom? Espero a resposta do próprio leitor
Encerro a matéria com uma homenagem à Ford com seus bem-desenvolvidos veículos híbridos que certamente serão o futuro próximo de todos os fabricantes mundiais de automóveis.
CM
créditos: ford , google images, wikipedia