Ao longo de toda a história do automóvel, o sonho maior sempre foi andar mais rápido. Em linha reta, em curva, em um circuito, não importa. Andar cada vez mais rápido sempre foi um desejo e um vício para muitos entusiastas.
Nos carros projetados para corridas de arrancada e também recordes de velocidade máxima, o motor e a aerodinâmica são os principais responsáveis para se atingir a meta de ir mais rápido. Na Fórmula 1, fazer curvas cada vez mais velozes também é imprescindível, bem como acelerar rápido na saída delas, pois há um traçado a ser seguido. No mundo do rali, agilidade e suspensões reforçadas levam os carros a manobras que parecem impossíveis. Mas em qualquer categoria, uma coisa todos os carros precisam fazer e muito bem: parar.
Os sistemas de freio vêm evoluindo nos últimos quarenta anos de maneira espantosa. Os primeiros freios a tambor que equiparam os carros no começo do século 20, ao serem usados em competição ganharam recursos como tambores aletados e materiais mais nobres como o alumínio para melhor troca de calor. O sistema de acionamento hidráulico substituiu os varões, e posterior ganharam assistência como o servofreio a vácuo que aproveita a depressão no coletor de admissão quando o acelerador está fechado.
Os freios a disco foram concebidos no começo dos anos 1900, pela empresa Lanchester, mas eram pouco confiáveis e muito caros, deixando a desejar no quesito custo-benefício frente aos tambores. Já no começo dos anos 1950, nos Estados Unidos com a Chrysler e na Europa, com os Jaguar C-Type de competição, os discos com pinças fixas já se mostravam eficientes e confiáveis.
Mas o ápice da tecnologia de freios foram os discos de material compósito. São conhecidos também como freios de carbono ou disco de cerâmica. Hoje em dia não se pensa em outra coisa quando falamos em carros esporte e carros de corrida.
Qual o princípio de funcionamento de um sistema de freio? Dissipar energia. O freio transforma energia cinética do movimento do carro em calor, “gastando” a energia até o carro parar. Quando a pastilha de freio, montada nos cavaletes (mais conhecidas como pinças de freio) atrita com o disco, ocorre uma grande geração de calor, que será eliminado para o ar.
Os discos de freio são mais eficientes que os tambores na dissipação de calor, mas ainda assim atingem um certo limite de funcionamento. Este limite é a temperatura máxima de trabalho sem o freio começar a falhar. Quando os componentes são muito aquecidos, os materiais começam a perder suas propriedades de resistência e de atrito. O fluido de freio superaquece e o pedal fica “borrachudo”.
Nas competições, o arrefecimento dos freios sempre receberam grande atenção dos projetistas, uma vez que os discos metálicos demoram para arrefecer. A condutividade térmica das ligas de ferro fundido, materiais básicos da composição dos discos, não ajuda muito, então uma ventilação forçada é necessária.
Em 1976, a equipe Brabham do projetista Gordon Murray mostrou ao seus rivais uma tecnologia incrível em freios a disco, e mudou para sempre a história dos freios automobilísticos. Como fazer discos maiores não era possível em função do espaço disponível e conseqüente peso elevado, a solução foi melhorar o material do disco. Murray foi buscar a solução em uma das máquinas mais incríveis já criadas pelo homem, o jato comercial Concorde.
O Concorde era o avião de passageiros mais rápido do mundo, capaz de cruzar o Atlântico, de Nova York a Londres, em três horas. Sua fuselagem estreita e longa, as asas em forma de delta e os motores Rolls-Royce/Snecma Olympus 593 capazes de levar o Concorde a velocidades supersônicas. No pouso, os freios do Concorde deviam segurar 185 toneladas a mais de 300 km/h.
A Dunlop foi a empresa responsável pelo desenvolvimento dos freios para o Concorde, e a pioneira em entregar freios de carbono. O material compósito, extremamente resistente, era capaz de substituir os tradicionais discos de ferro fundido. Os primeiros vôos de teste do Concorde foram feitos ainda com discos metálicos, e em 1972 os primeiros protótipos do novo material compósito foram testados e aprovados. Na verdade, não apenas os discos eram de carbono, mas as pastilhas também. É importante lembrar que o freio funciona com o atrito entre disco e pastilha. Não adianta apenas um dos dois componentes ser eficiente, pois o contato entre eles é que interessa. As pastilhas também eram de feitas de uma massa composta de fibra de carbono e diversos outros materiais para “dar liga” e criar as características necessárias. O Concorde também possui um sistema antitravamento de rodas para melhor aproveitar a potência de frenagem dos discos cerâmicos.
Além de serem extremamente estáveis trabalhando em altas temperaturas, os discos de carbono são consideravelmente mais leves que os discos metálicos. No Concorde, assim como em um carro de corrida, cada grama conta muito, e como são usados vários discos no avião todo, tanto nas rodas como nos eixos, foi possível reduzir o peso de todo o sistema de freio do avião em incríveis 5 toneladas.
Se era possível melhorar tanto o desempenho do sistema de freios do avião de passageiros mais moderno do mundo, em um carro de corrida seria ainda melhor. Gordon Murray procurou a Dunlop para adaptar o projeto do sistema do Concorde para um carro de F-1, e assim nasceu o primeiro disco de freio de carbono para carros de corrida. Na verdade, a equipe Surtees chegou a testar um sistema em 1975, mas a Brabham foi a primeira a realmente colocar em prática, no BT45 de 1976.
Os discos do BT45 eram feitos como um sanduíche. No centro, um disco de aço incorporado à região central, onde é o disco é fixado no cubo de roda, e cobrindo este disco de aço, pelos dois lados, uma camada do material misto de fibra de carbono e resinas epoxy. Em um disco metálico convencional, a região de fixação é em alumínio, mas as altas temperaturas que o carbono resiste e poderia chegar preocuparam a Dunlop, assim adotou-se o aço.
Nos primeiros testes em corrida, o sistema mostrou-se eficiente em termos de poder de frenagem, mas pouco consistente. O fluido ainda não era adequado e superaquecia, deixando o freio borrachudo e chegando até a ficar com pouca ação. José Carlos Pace foi um dos que participou do desenvolvimento e teve um forte acidente por conta deste aquecimento do fluido. A expansão térmica era diferente para o carbono e para o aço, e o recheio metálico do disco expandiu mais que o esperado, fazendo com o que a face externa entrasse em contato com as pastilhas, aquecendo demais o sistema e o fluido.
Muitos problemas desconhecidos até então forçaram, por questões de segurança, a restrição do uso do novo sistema apenas para treinos. Os discos podem suportar temperaturas de até 2.000 °C, mas antes de chegar a 700 °C já eram problema no Brabham. Muitas variações de compostos do material de atrito foram testadas, outras formas de fixação e principalmente de arrefecimento tiveram que ser criados. Os discos de carbono transmitem pouco calor por condução, mas a radiação da superfície é muito elevada. Isso prejudicava o funcionamento do resto do sistema, como as pinças que não suportavam a alta temperatura emanada pela superfície do disco e das pastilhas.
Só em 1982 que um disco de carbono venceu uma corrida de F-1, com Nélson Piquet no GP do Brasil. Piquet chegou em primeiro, mas ao fim da corrida foi desclassificado pelo Brabham estar abaixo do peso mínimo do regulamento. Uma estratégia para resfriar os discos era o uso de água, armazenada em um recipiente, que ia sendo consumida durante a corrida. Com o reservatório de 26 litros vazio, o carro ficou abaixo do peso mínimo. Este recurso depois foi banido pela FIA. Nesta temporada, o disco já era sólido, sem o sanduíche com metal, bem semelhante aos discos que são usados hoje em dia. Agora o sistema já era aprovado como confiável e eficiente.
O desenvolvimento do sistema foi crescendo ano a ano, e passou a ser um padrão na F-1 e em diversas outras categorias de ponta. O ganho de poder de frenagem, peso reduzido (quase metade do peso de um disco convencional), baixo consumo de materiais de atrito e a confiabilidade do sistema não sofrer de fading (falha no sistema por aumento de temperatura) justificaram muito investimento nos freios de carbono. Fading em inglês significa sumiço, desvanecimento, que é o que acontece com o freio, ele vai sumindo, deixando de agir cada vez mais à medida que a temperatura do sistema vai subindo.
Um dos problemas que prejudica o uso dos discos de carbono é sua eficiência quando está frio. Os discos precisam estar aquecidos para serem eficientes. Em temperatura ambiente, o poder de frenagem é reduzido pelo coeficiente de atrito não estar no ponto adequado, uma vez que ele varia com a temperatura do material. Em um carro de corrida, isso não é muito problema, pois estão sempre em velocidade e freando, mantendo o disco aquecido. Mesmo na primeira volta de uma corrida, o problema é reduzido pois os pilotos já aqueceram os freios na volta de apresentação.
Não demorou muito para os discos cerâmicos migrarem para os carros de rua. No começo dos anos 1990, a francesa Venturi colocou no mercado o primeiro carro de produção com discos de carbono de série. O modelo Atlantique 400 GT iniciou um novo mercado para os fabricantes de sistemas de freios. Seria possível agora vender freios de alto rendimento, e alto preço, para carros de rua, uma vez que alguém já abriu o caminho.
Porsche, Ferrari, Lamborghini, Bentley, Jaguar, Mercedes-Benz, Aston Martin, todos os grandes fabricantes de carros esporte adotaram os discos de carbono. Porém, o problema da eficiência do freio com o disco frio não desapareceu. Ainda é comum ver reclamações dos freios de carbono quanto à sensibilidade, principalmente no trânsito das cidades onde a temperatura de trabalho é baixa. Também há um pouco de ruído se os discos estão frios, coisa um pouco desagradável em um carro que pode custar mais de um milhão de reais. Do ponto de vista da eficiência, se o carro vai ser usado em uma pista, como em um track day, os discos de cerâmica são bem mais indicados. Mais resistentes e quase que infalíveis, são opcionais hoje em dia que valem o quanto custam.
O Bugatti Veyron possui um dos mais potentes freios em um carro de passeio. É equipado com discos dianteiros de carbono de 400 mm de diâmetro e traseiros de 380 mm, capazes de parar o carro de 100 km/h a zero em meros 31 metros e 2,3 segundos. Acima dos 200 km/h, o freio aerodinâmico ajuda a reduzir a velocidade, e o Veyron freia de 400 km/h a zero em menos de dez segundos e 540 metros. A Bugatti afirma que é praticamente impossível ocorrer fading no freio do Veyron, graças aos discos de carbono.
Os discos de carbono nos carros de passeio são também um recurso de marketing, um atrativo extra para a venda do carro. Podem ser tanto itens de série como opcionais a um preço bem alto. Poucos carros são usados no limite ao ponto de os freios serem tão exigidos que os discos com o material nobre sejam mesmo necessários. Poucos realmente usam seus carros carros a este ponto, em condição de pista.
Voltando ao automobilismo, algumas categorias estão proibindo o uso dos discos de carbono. No Mundial de Endurance, apenas os protótipos de ponta podem usar discos de carbono. Nos GTs, apenas discos metálicos são permitidos. Isso ajuda um pouco a reduzir os custos da categoria.
Na F-1, os discos de carbono são usados por todos. Acho que é um ponto que poderia ser revisto. Os atuais sistemas de freio da F-1 são tão eficientes que os carros podem vir a mais de 300 km/h e frear a 50 metros de uma curva fechada. É impressionante. De tão impressionante, pode até ficar chato. Explico: quanto mais dentro da curva se freia, mais difícil é de se ultrapassar o carro à frente.
Quando os freios não eram tão eficientes quanto os de hoje, os pilotos começavam a frear bem antes, havia mais espaço e tempo para se posicionar na curva. Era possível deixar para frear depois do adversário, mais perto da curva, conseguindo assim realizar a ultrapassagem. Quem se arriscasse mais, poderia tentar passar.
Vejam abaixo uma comparação não muito precisa, mas ainda curiosa, de como os freios evoluíram na F-1 ao longo dos anos. Com diversas filmagens em Mônaco durante esse tempo podemos ter uma idéia de como os carros mudaram. Claro que o carro todo evoluiu, principalmente os pneus e a aerodinâmica, mas ainda assim é possível notar como os freios se tornaram cada vez mais eficientes.
Aqui temos Jackie Stewart em 1969, de Tyrrell:
Aqui vemos Alain Prost em 1981 a bordo do Renault RE-30:
Neste vemos Senna com o McLaren em 1991:
E para terminar, Hamilton de Mercedes na corrida deste ano:
Em 1995, a Williams fez uma sessão de testes com o piloto Damon Hill em um carro equipados com discos de freio metálicos. Os resultados foram aceitáveis, pela descrição da equipe, e seria uma opção para aumentar a quantidade de disputas entre os pilotos, mas foi negada pela FIA.
Seria uma iniciativa boa para os tempos de hoje. Não há muito mais o que evoluir nos freios de carbono, e ainda não são uma realidade para carros comuns de passeio. Voltar com os freios metálicos seria uma forma de aumentar as disputas novamente, podendo até acabar com alguns recursos criados ao longo dos anos, como a controversa asa móvel que já falamos aqui, e até a obrigatoriedade de usar diversos tipos de pneus ao longo da corrida. Quem tem que escolher isso é a equipe, e não uma imposição de regras.
Acabando com os discos de carbono, limita-se o poder de frenagem dos carros, sem criar complicadas regras e recursos eletrônicos para dar graça às corridas. Seria uma forma de se desenvolver mais os discos metálicos para o uso urbano, ainda uma realidade para a maioria dos carros, e acabar com a complicação da F-1 moderna.
MB