“O sol por testemunha” é o título, no Brasil, do filme franco-italiano “Plein soleil”, que pode ser traduzido como “sol a pino”. A produção é de 1960 e trata de um triângulo amoroso seguido de crime “com o sol a pino” num belo veleiro que tem como pano de fundo as águas azuis do Mediterrâneo. É encenado por trio Alain Delon, a bela Marie Laforêt e Maurice Ronet. Recomendo assisti-lo, é eletrizante e belo ao mesmo tempo.
Mas nesse caso o sol vai testemunhar é puro prazer e contato com a natureza: o carro conversível; crime, não, no máximo um assaltozinho, mesmo assim não somente por estar num carro “descapotável”, mas por estarmos vivendo uma guerra civil velada no Brasil, do tipo só não vê quem não quer. Mas deixemos o foco no carro em si, já temos muito com o que nos preocupar.
A indústria local não produz nenhum carro conversível atualmente. Tivemos o Escort XR3 de 1985 a 1996, sendo de 1989 a 1991 teve motor VW 1,8-L e depois, 2 litros. Depois veio o Kadett GSi conversível em 1991, com motor 2-L de injeção multiponto, que ficou três anos em produção. Depois desses dois, nada.
Nos carros de pequena série como Puma e Miura houve um bom período de receptividade do conversível, era bastante vistos nas ruas, especialmente o primeiro. O Willys Interlagos conversível era belo, mas foi pouco produzido e por pouco tempo, de 1962 a 1966.
Via-se também alguma coisa de importados, mas pouco. Havia resistência ao carro conversível, como eu ouvir do meu pai que “a capota podia ser rasgada com uma faca” ou então que numa capotagem ou as pessoas eram atiradas para fora do carro, ou ficariam esmagadas pelo próprio.
Nos Estados Unidos mesmo, a histeria de segurança deflagrada pelo advogado Ralph Nader nos anos 1960 levou a Porsche a bolar uma maneira de vender o novo 911 lá, surgindo a idéia do arco de proteção que resultou no modelo Targa.
Por conta dessa onda de segurança os carros americanos conversíveis deixaram de ser produzidos por um bom tempo, só voltando a partir dos anos 1990 e hoje estão a pleno. No Brasil, a GM importa o Camaro conversível.
O europeus apreciam muito o dirigir com o sol por testemunha. Já falei aqui sobre o dia do lançamento da pedra fundamental da fábrica do “carro do povo”, em maio de 1938, em lá estavam exibido um sedã, outro com teto solar e um conversível.
Os ingleses, particularmente, sempre foram grandes apreciadores de conversíveis em forma de MG, Morgan, Jaguar, que chegaram em boa quantidade ao Brasil a partir do final dos anos 1940, sem esquecer os italianos Alfa Romeo, Ferrari e Maserati.
Andar de conversível
Afirmo que andar de conversível é um dos grandes prazeres desta vida. Quando prestei assessoria de imprensa ao importador Porsche, a Stuttgart Sportcar, em 2002/2003, viajamos eu e o então principal sócio da firma, o Régis Schuch, ao Rio de Janeiro num Boxster S de capota baixada, uma viagem inesquecível. No Rio, andei vendo o sol sem receio de assalto ou violência, embora, é claro, ficasse atento ao que se passava à minha volta. Mas que foi um fim de semana para não esquecer, sem a menor dúvida.
É como andar de motocicleta, fica-se em contato íntimo com a natureza, e isso proporciona enorme prazer. Hoje os conversíveis são bem estruturados e o efeito de torção da carroceria pela falta da armação que o teto proporciona, é mínimo, notando-se pouca “dança do painel”, quando o espelho interno oscila lateralmente.
As capotas melhoraram consideravelmente e atualmente com ela levantada o conforto interno é total, infiltração de água é coisa do passado, como são também os assovios em velocidade de estrada. E há ainda o acionamento elétrico ou eletroidráulico da capota, facilitando a vida do motorista. Inclusive, a operação, que leva em torno de 20 segundos, pode em muitos casos ser feita com o carro em movimento, até 50 km/h.
Fico imaginando se algum dia um fabricante estabelecido no Brasil lançará uma versão conversível e acredito que haveria mercado, mesmo que não fosse tão grande. Como disse há muitos anos o fundador da Honda, Soichiro Honda, “Quem faz o mercado é o industrial; faça um bom produto que ele venderá.”
Só tem um probleminha na terra brasilis: como os que gostam de se esconder no automóvel usariam os sacos de lixo com a capota baixada?
BS