Quando adolescente eu lia — devorava — a revista Mecánica Popular, edição em espanhol da Popular Mechanics, e dia desses, de tanto se falar em consumo (ou sua falta de informação pelas fabricantes) vieram-me à lembrança as reportagens sobre a Mobil Economy Run, também chamada de Mobilgas Economy Run, uma famosa prova de economia — de consumo, melhor dizendo — patrocinada pela Mobil, nome de produto da Socony-Vacuum Oil Company, Inc. A Mobil, nos Estados Unidos, comercializava combustíveis também — não é como aqui, uma marca de óleo apenas. Apesar da fusão da Socony-Vacuum com a Exxon em 1999, continuam a existir por lá as redes de postos com bandeiras Mobil e Exxon.
A primeira Mobil Economy Run, na verdade, foi organizada em 1936 Gilmore Oil Company, da Califórnia, que se fundiu com a Mobil em 1946, e a prosseguiu até 1968, interrompida apenas nos anos da Segunda Guerra Mundial (para os EUA) e pouco após, ou seja, de 1942 a 1949. Era um evento da Mobil com a chancela e organização do Automóvel Clube dos Estados Unidos (USAC), que se encarregava dos controles.
Mas, qual o motivo de tanta empolgação em torno de consumo de combustível num país onde a gasolina, sempre foi barato, especialmente naqueles anos e nas década seguintes, salvo um ou outro curto período? A explicação pode estar nos anos da Grande Depressão dos anos 1930, quando a população americana se viu na contingência de ter contar os centavos para sobreviver. Criou-se o hábito.
O percurso era normalmente longo, 3.000 quilômetros no mínimo (o de 1967 foi de 4.643 km), em cinco ou mais etapas. Na prova de 1959, por exemplo, o roteiro de 3.055 km foi Los Angeles—Kansas City, Missouri. Dentro de cada carro, além de um segundo motorista, ia um fiscal do USAC para certeza de que o competidor não sairia do roteiro estabelecido para encurtar o caminho e também para aplicar penalidades, como no caso da infração de trânsito de não parar completamente diante de uma placa “Pare” para não perder o embalo, e também excesso de velocidade, embora isso não fosse exatamente o caso numa prova de consumo. Os percursos eram secretos e só eram dados a conhecer na manhã de cada largada, de modo que ninguém pudesse treinar. Curiosamente, mulheres só puderam participar a partir de 1957.
A Mobil Economy Run era fartamente divulgada nos meio de comunicação (a televisão já era forte nos EUA no começo dos anos 1950) e por isso atraía espectadores por onde a prova passasse, que postavam ao longo de ruas e estradas — com seus carros por ali estacionados, naturalmente — como ocorre nos países onde se realizam ralis atualmente.
Para o controle do consumo, o tanque original era isolado e um tanque especial era montado no porta-malas. Devido aos vários tipos de carros havia um divisão em oito classes, como entre-eixos, comprimento e cilindrada, além de uma escala de preços.
Como os resultados interessavam diretamente aos fabricantes, para evitar preparação especial o USAC comprava os carros nas concessionárias, verificava-os minuciosamente e os certificava como sendo “de série”, em seguida lacrando capô e chassi. A parte dos fabricantes era contratar motoristas experientes para dirigir os carros de suas marcas, uma vez que o primeiro lugar na Mobilgas Economy Run era cobiçado, é claro, pelo peso que tinha na argumentação de vendas.
Até à mencionada prova de 1959 o fator determinante de vitória empregava uma fórmula que levava em conta o peso, o que favorecia os carros grandes e pesados. O resultado era dado pela fórmula ton-milhas-por-galão, em que se dividia o peso em ordem de marcha em ton (não é 1 tonelada, mas 1.016,047 kg), mais o dos três ocupantes, pela distância percorrida em milhas, dividido pelo combustível gasto em galões. Muita confusão e reclamação levou a Mobil a adotar consumo puro e simples, em milhas por galão (mpg), o nosso quilômetros por litro (km/l). Com a mudança no regulamento os carros começaram a se dar melhor.
Na prova de 1959, o primeiro colocado entre os 47 carros que largaram foi um Rambler American, com a média de 10,747 km/l, com um Rambler Six em segundo obtendo 9,764 km/l. O baixo do consumo dos carros da American Motors Corporation (AMC) levou a serem proibidos de participar, o mesmo ocorrendo com os Studebakers, que passaram competir numa classe separada (!). Motivo? Os chamados Três Grandes fabricantes — General Motors, Ford e Chrysler — não tinham carros competitivos naquela época e eram trucidados na classificação de consumo.
Como nada é para sempre, a Mobil Economy Run acabou. Num lacônico comunicado de imprensa no final de 1968, a Mobil justificou a decisão em razão de “mudanças na ênfase dos fatores de desempenho automobilístico, nas atitudes dos motoristas e na estratégia publicitária da Mobil”. Mas o fato é que os assassinatos do pastor protestante e ativista Martin Luther King e do senador Robert Kennedy naquele ano tornaram a Mobil Economy Run supérflua. Era o fim de uma era.
BS