Este é um causo que eu não tinha publicado até hoje. Foi-me foi enviado em 2004, tendo chegado um pouco tarde para ter sido incluído no Livro II. Seu autor é um amigo com quem troquei muitas figurinhas no blog Antigomóveis que ele manteve por alguns anos. Trata-se do médico psiquiatra mineiro Luís Augusto Dias Malta, que nos brinda com uma história de cumplicidade e amor entre um Fusca 1969 e a família Malta e que continua até os dias de hoje. E as chances são que esta história se alastre pelas novas gerações desta família decididamente fuscamaníaca.
IRMÃO MAIS VELHO
Por Luís Augusto Dias Malta
Na última semana de março de 1977, o clima era de tensão na residência do Dr. Paulo César Malta, clínico-geral, no bairro Santo Antônio. Sua esposa, D. Ilzéa, estava nos últimos dias da gestação do primeiro filho do casal. Por precaução, o Dr. Paulo estava deixando o seu carro — um Fusca 1969 branco — “dormir” na rua, pois embora houvesse garagem no edifício onde moravam, os carros eram estacionados em fila, de modo que um fechava a passagem dos outros. Homem precavido, o Dr. Paulo queria estar pronto para qualquer eventual emergência, deixando o carro livre para sair a qualquer hora caso viesse a precisar.
E, de fato, na noite de 26/3, o Fusca, conduzido pelo Dr. Paulo, levava D. Ilzéa para o Hospital São Lucas para dar a luz o seu primeiro filho, Luís Augusto, hoje médico psiquiatra, atual proprietário do carro e escritor dessas linhas.
Na verdade, a história do Fusca com a família havia começado bem antes, em fevereiro de 1973. Após ter se formado em Medicina, no final de 1971, meu pai passou a ter como prioridade a compra de um carro para poder ganhar tempo entre os plantões, idas ao hospital e visitas a pacientes.
Estava procurando um carro para comprar quando o seu colega, Dr. Aírton de Castro, cirurgião, ofereceu o Fusquinha 69 de sua esposa. O carro, seminovo, estava em perfeito estado de conservação e meu pai não teve dúvidas em arrematar o Fusca, sem imaginar a longa história que teriam juntos.
Os anos se passaram. Vieram o casamento, os três filhos, a compra do apartamento, crises da economia, dívidas de parentes, compra de outros carros. E o Fusca resistiu. Até 1982, treze anos após a sua fabricação, era o único carro da família. E, até 1996, aos dezessete anos, era o carro de uso diário do meu pai. Foi nessa época que, em um encontro casual com o Dr. Aírton, este custou a acreditar quando viu o Fusca, exclamando:
“É, o carro que eu te vendi era bom mesmo…”
Pouco tempo depois, o Dr. Aírton morria, vítima de um infarto fulminante do miocárdio.
A história não termina aí. Em 1996, um carro que eu usava para ir à faculdade — cursava o terceiro período de Medicina, ainda no campus da UFMG na Pampulha — foi roubado e nunca mais recuperado. Quis o destino que o Fusca, que me levou para nascer, ao jardim de infância, ao colégio, para fazer vestibular, para aprender a dirigir e que me acompanhou no dia a dia durante tantos anos, me acompanhasse também até o fim do curso médico, no final de 2000.
Minha paixão pelo carrinho era tanta que levou meu pai, orgulhoso, a me dá-lo como presente de formatura. Eu ainda usaria o Fusca por quase um ano diariamente, no meu primeiro ano de residência, quando comprei outro carro, enquanto finalizava uma reforma completa no adorado Fusquinha.
Depois de quase 33 anos ininterruptos de peripécias, ele foi aposentado do uso diário, passando a rodar só em fins de semana. Mas a aposentadoria definitiva está longe: após ter sido condecorado com a placa preta, exclusiva de veículos de coleção, a ideia é que o velho Fusquinha testemunhe o meu casamento e — quem sabe? — o nascimento de uma nova geração de apaixonados por este que já é membro da família.
Algumas fotos do Fusca 69 da família Malta (Fotos de Júlia Dias):
Este delicioso causo me foi enviado pelo e-mail abaixo que reproduzo com os agradecimentos não só pelo causo, como pelas palavras gentis que ele dedicou a mim:
E-mail de 22/03/2004
Caríssimo Alexander Gromow,
Sou grande admirador do seu trabalho de pesquisa e divulgação da história do nosso tão amado Fusquinha. Como proprietário de um modelo 1300 1969 em estado de 0-km adquirido pelo meu pai, estou lamentando muito não estar participando deste seu segundo lançamento com um caso próprio. De qualquer forma, eu o envio para que possa, talvez, ser incluído em edições futuras ou — quem sabe? —até mesmo inserido de última hora nessa que está para ser lançada. Acrescento, ainda, que tenho uma razoável literatura a respeito do carrinho e me coloco à disposição para eventuais pesquisas e trabalhos visando a sua preservação.
Um abraço,
Luís Augusto Dias Malta
Quem é o “Malta”, como ele é comumente conhecido:
Mineiro de Belo Horizonte, médico psiquiatra, ativo no movimento de preservação de automóveis antigos. Ele é antigomobilista desde criança, sócio-fundador do Clube de Veículos Antigos de MG , criador do blog Antigomóveis, que ficou ativo entre 2008 e 2014. É um dos organizadores do RAID Estrada Real .
AG
Contato pelo e-mail: [email protected]
REGISTRO: após da mudança de provedor ocorreu a perda parcial de material fotográfico que foi recolocado nesta matéria no dia 05/02/2017. Este procedimento, feito pelo autor, complementou o trabalho feito pelo Staff do AUTOentusiastas na condução da transferência de muitas centenas de matérias para “seu novo lar”. Com isto esta matéria foi reconduzida à sua condição original, respeitando as condições de arquivo existentes, pequenas diferenças podem ter ocorrido.