Os Fittipaldi já estavam mais do que cientes das dificuldades da equipe e da forma de atuar como construtores. Sabiam bem que seria cada vez mais complicado fabricar um F-1 competitivo no Brasil, com as constantes evoluções dos conceitos usados nos novos carros. A experiência anterior com dois projetos retrabalhados na Europa no meio do ano para tentar salvar o investimento feito doeu no bolso da equipe.
Tanto o F5 que virou F5A como o F6 que virou F6A pelas mãos de Ricardo Divila junto com a italiana FLY Studio foram exemplos de que as instalações e fornecedores brasileiros não mais conseguiam acompanhar a evolução das técnicas usadas na produção de um carro de Fórmula 1. A equipe dos Fittipaldi já tinha uma base de operações na Inglaterra, mas mantinha a fábrica em Interlagos.
No fim de 1979, a cooperativa de Jorge Atalla não renovou o contrato de patrocínio com os Fittipaldi. Uma das condições do patrocínio era que os carros fossem intimamente ligados à engenharia e fabricação nacionais, o que podia ser entendido como a construção ser feita no Brasil. Sem a Copersucar cobrando esta nacionalização, os novos Fitti poderiam ser feitos em qualquer lugar do mundo. A mídia brasileira já nem dava tanta bola para os Fittipaldi depois de tantos anos sem o prometido carro vencedor. Se o carro não fosse feito no Brasil, não seria um grande problema de publicidade. Pelo menos não ligariam mais para isso.
Um novo patrocinador teria que ser encontrado sem muita demora. A Skol estava em negociação para assumir o espaço deixado pela Copersucar. A visibilidade da F-1 era enorme em âmbito mundial e todas as grandes empresas queriam fazer bons negócios para estarem na tela. Não foi diferente com a cervejaria, que fechou contrato com os Fittipaldi. Nos primeiros três anos a verba seria de dois milhões de dólares por temporada, com reajustes anuais.
O FIM DA WOLF RACING
Antes mesmo do término da temporada de 79, com base nas experiências anteriores, Wilsinho e Emerson já vinham buscando uma forma de transferir a produção dos seus carros para a Europa. Não apenas queriam a produção, mas também renovar o time técnico depois das experiências infelizes com Ralph Bellamy e o F6. Em paralelo, a equipe Wolf estava prestes a fechar as portas.
Walter Wolf encerraria suas atividades na F-1 depois de apenas três anos. Uma equipe que começou de forma brilhante, com vitória na primeira corrida de que participou, feito raro em toda a história da categoria. Jody Scheckter daria a primeira vitória a equipe com o WR1, carro feito pelo próprio time. Wolf era um milionário e a F-1 era apenas mais uma de suas empreitadas. Não vivia do esporte e nem pretendia ficar (mais) rico com ele.
No começo de sua carreira de dono de equipe, Wolf já tinha se associado a Frank Williams na Wolf-Williams Racing de 1976, quando comprou 60% da Frank Williams Racing Cars (FWRC) e depois de um ano colocou Frank para fora e ficou com a equipe ao assumir 100% das participações. Nesta aquisição, veio a infraestrutura da FWRC com sede em Reading, na Inglaterra. Na época, Wolf comprou também o que sobrou da equipe Hesketh Racing por onde passaram James Hunt e Alex dias Ribeiro, e também ativos da Embassy Hill, equipe de vida curta de Graham Hill.
Os Fittipaldi acertaram com Wolf que assumiriam a equipe completa, com os carros, a fábrica e até mesmo os funcionários. Nesta jogada, veio junto o projetista Harvey Postlethwaite, pai do Hesketh 308 e o Wolf WR1. Já falamos anteriormente dele aqui no AE. Ele seria um dos grandes interesses dos Fittipaldi, com um histórico conhecido e mais confiável que seus antecessores na Copersucar-Fittipaldi. Divila passaria a atuar na área de pesquisa e desenvolvimento, e Harvey assumiria como diretor técnico. A sede da Wolf passaria a ser a sede da Fittipaldi.
Também veio junto com o pacote da Wolf o piloto Keke Rosberg, jovem mas já comprovadamente rápido, que assumiu o lugar na Wolf depois que James Hunt abandonou a temporada no meio. Lembram daquela corrida extracampeonato em Silverstone em que Emerson ficou em segundo com o F5A? Keke foi o vencedor, na sua segunda corrida com um carro de Fórmula 1. Ele e Emerson fariam a dupla de pilotos no começo da temporada de 1980.
Além de Rosberg e Postlethwaite, a Fittipaldi F1 levaria junto Peter Warr, que Emerson conhecia muito bem, pois eles estavam juntos na Lotus no título de 1972 do brasileiro. Warr havia sido contratado por Wolf no fim de 1976 para realizar o mesmo trabalho que fazia na Lotus, que era de cuidar dos pilotos, como se fosse um gerente. Foi bem-sucedido também com Jody Scheckter em 1977.
O FITTIPALDI-WOLF F7
Para começar a temporada de 1980, a Fittipaldi iria partir dos carros da Wolf, com o WR7 sendo modificado para ser o Fittipaldi F7. O projeto de Harvey era de um carro convencional para a época, sem grandes inovações radicais, exceto por um processo de fabricação do monobloco com a honeycomb (colmeia) de alumínio. Era o mesmo material usado no Copersucar F6, mas no caso do Wolf, foi bem-feito e o chassi era bem rígido.
Dizem que foi um projeto feito às pressas após a contratação de James Hunt, pois o piloto de 1,85 metro de altura não cabia no WR6. A temporada da Wolf não ia bem, o WR7 não era um bom carro. Mesmo com recursos usados na época como o efeito solo e clara inspiração no Lotus 79, o carro não era veloz. Foram feitos três carros: o primeiro chassi era o WR7 e um segundo praticamente idêntico era o WR8. O terceiro carro, WR9, vinha com pequenas modificações de suspensão e carroceria.
Com a compra da Wolf pelos Fittipaldi, o WR8 e o WR9 vieram no pacote. O WR7 já havia sido vendido. Postlethwaite, agora funcionário da Fittipaldi, faria uso dos dois carros da Wolf até que pudesse entregar um novo carro. Os dois chassis foram renomeados para F7, com pequenas alterações e agora pintados de amarelo nas cores da Skol para Emerson e o jovem Rosberg.
Diferente do F6 que nasceu de uma folha em branco, o F7 tinha a base de um carro com algumas corridas no histórico. A primeira corrida do ano, o GP da Argentina, iria dar um direcional à equipe de como o carro se comportaria. Nos treinos Emerson apanhou do carro, instável e cheio de problemas mecânicos e elétricos. Não passou do último lugar a mais de cinco segundos da pole. Rosberg conseguiu largar em 13°, a menos de três segundos do Williams de Alan Jones, pole position.
Na corrida, muitos carros tiveram problemas de adaptação ao asfalto do circuito. A corrida quase foi boicotada pelos pilotos que não aceitavam o estado da pista, degradada pelo calor que fazia em Buenos Aires. A equipe não conseguiu não conseguiu resolver os problemas do carro de Emerson, que não chegou ao final, enquanto que Rosberg fez uma corrida excelente e terminou em terceiro.
Dois carros, dois resultados distintos. O que Rosberg poderia trazer de alegria para a equipe com um pódio logo na primeira corrida do ano, o resultado de Emerson reforçava a crise que a Fittipaldi vinha enfrentando. Já nos treinos da segunda corrida, o GP do Brasil em Interlagos, indicaria que a realidade era mais próxima do que Emerson passou.
Os dois carros foram mal, largando no fim do grid. Emerson ainda sofreu um forte acidente nos treinos, sem maiores lesões ao piloto. A corrida foi melhor para o finlandês, que terminou em nono. Emerson terminou em 15° sofrendo com o F7.
Nas corridas seguintes, parecia que algo forçava apenas um carro a terminar as provas. Na África do Sul, apenas Emerson chegou ao fim, em oitavo lugar. Em Long Beach, um ótimo terceiro lugar para o brasileiro, que veria o último pódio de sua carreira na F-1. Nesta corrida, vencida por Nélson Piquet, Emerson andou muito bem, vindo lá do fim do grid até o terceiro lugar. Foi a primeira vitória de Nélson e o último pódio de Emerson.
Na Bélgica, apenas Rosberg chegou ao fim, em sétimo lugar. Mônaco foi a vez de apenas Emerson terminar, agora em sexto lugar, enquanto que Rosberg não havia conseguido nem se classificar para largar.
O GP da Espanha não valeu pontos para o campeonato, pois uma crise estava instalada na categoria devido à disputa política entre organizadores e que também afetava como seria o regulamento para 1981. A Fisa (o então poder desportivo da FIA) de Jean-Marie Balestre queria banir as saias laterais juntamente com o efeito solo, mas a associação dos construtores de Bernie Ecclestone era contra, paralelamente a outras disputas políticas que contarei mais adiante. Como resultado, a Renault, Ferrari e Alfa Romeo não correram. Apenas as equipes que não tinham ligação com fabricantes automobilísticos se inscreveram. Emerson terminou em quinto lugar.
Na França, tanto Emerson como Keke tiveram problemas na corrida e não terminaram. O brasileiro estava em 13° quando a três voltas do final o motor não aguentou.
O NOVO F8 ENTRA NO JOGO
A corrida na Inglaterra, em Brands Hatch, foi a última corrida do F7 e a estreia do novo F8, carro que vinha sendo projetado há pelo menos seis meses. Emerson largaria com o carro novo e Rosberg fecharia o ciclo de vida do F7. Rosberg fez o possível nos treinos mas não conseguiu se classificar para largar. Emerson sofreu mas largou em 22°. Na corrida, Emerson contou com o abandono de diversos competidores, terminando em 12° de um total de treze carros que chegaram ao final.
O novo F8, que teve participação do jovem recém-formado Adrian Newey, contratado por Ricardo Divila para trabalhar com Postlethwaite nos projetos de aerodinâmica em seu primeiro emprego na F-1, era um carro feito ainda para se aproveitar do efeito solo que estava em disputa pelos órgãos reguladores do campeonato para a temporada seguinte.
O carro seguia a sina dos seus antecessores. Andava razoavelmente bem em algumas pistas, em outras era ruim, mas as falhas mecânicas o assombravam, tirando algumas chances de resultados melhores.
A carroceria seguia a linha dos demais carros da temporada, com um corpo mais bojudo, bico mais curto e largas laterais para tentar aproveitar o máximo do efeito asa da carroceria, além de alojar os radiadores. Nada de muito arrojado foi feito no projeto, apenas tentaram fazer o básico bem feito. Wilsinho dizia que o F8 era “feijão com arroz, um carro projetado entre o Ligier e o Brabham”.
O motor Cosworth DFV já tinha deixado de ser competitivo perante os novos motores turbo fazia tempo, mas ainda era a opção que a Fittipaldi podia pagar.
Até o fim da temporada, Emerson concluiria apenas o GP da Áustria em 11° lugar e mais nenhuma corrida. Rosberg faria um ótimo quinto lugar em San Marino, um nono lugar no Canadá e décimo nos Estados Unidos.
Ao fim de 1980, novamente mudanças na equipe. Harvey Postlethwaite deixou o time e foi para a Ferrari, que tinha um bom motor mas o chassi era horrível e precisava de ajuda urgente. Trocar a Fittipaldi, que cada vez menos tinha verba para investir, pela Ferrari, era um bom negócio para qualquer um.
A SKOL ABANDONA O BARCO
No final de 1980, a situação da Fittipaldi parecia ter um horizonte calmo à vista. O carro não era dos melhores, teve apenas resultados medianos, quando conseguia terminar uma corrida. Mesmo com onze pontos no campeonato de construtores, a equipe vinha sofrendo com as recorrentes falhas mecânicas que mancharam o fim da carreira de Emerson na F-1.
Para piorar, a Skol havia sido vendida para a Brahma em meados do ano, e não demorou para a transação afetar a equipe dos Fittipaldi. Para o ano seguinte, não renovariam o patrocínio com a equipe. Ordem da nova diretoria da Brahma. Wilsinho conta que o contrato com a Skol ainda deveria valer por mais dois anos, mas a empresa não queria renová-lo. Fizeram a proposta de pagar os valores de patrocínio de janeiro a junho, sem a obrigação da equipe usar a pintura da Skol no carro, e depois não pagariam mais nada.
Os Fittipaldi tiveram que apelar para o lado jurídico, pois no contrato havia uma cláusula prevendo que no caso de uma aquisição da Skol, a compradora deveria honrar com o patrocínio conforme vigência do contrato. Não havia muito o que se fazer, a justiça demoraria uma eternidade para tomar uma decisão, tempo que a equipe não tinha, pois em questão de semanas a nova temporada começaria. Acabaram aceitando a proposta da Brahma e foram atrás de outros patrocinadores.
Sem o apoio de uma grande marca como era a Copersucar e a Skol, a equipe ficaria em dificuldade ainda maior com orçamento limitado. Para 1981, a situação estava tão complicada que no começo da temporada o carro seria pintado só de branco. Somente patrocinadores menores apareceram ao longo do ano. A saga continuava, infelizmente rumo ao fim.
MB
Nota: Esta série fica como um registro em memória do engenheiro Ricardo Divila, um dos maiores projetistas brasileiros de todos os tempos, que nos deixou em 25 de abril último.
Veja as partes anteriores desta história: