A Copersucar-Fittipaldi foi a única equipe originalmente brasileira de Fórmula 1, nascida em 1975 com um projeto arrojado feito pelo brasileiro Ricardo Divila. Sua temporada de estreia não foi fácil, tampouco seu segundo ano de vida. Ao longo de sua história, a Copersucar passou por altos e baixos, como o segundo lugar no GP do Brasil de 1978 até o problemático Fittipaldi F6 que quase quebrou a equipe.
O fim do patrocínio da cooperativa de mesmo nome, passando para propriedade da Skol, que não manteve o contrato com a equipe depois de apenas um ano, foi um duro golpe contra Wilson e Emerson Fittipaldi. A temporada de 1980, depois da aquisição da equipe Wolf, trouxe um pequeno fôlego para a equipe em termos de infraestrutura, mas a verba ainda era curta para manter o time competitivo.
A temporada de 1981 começaria com os carros praticamente sem nenhum nome de patrocinador para colocar na pintura. Apenas pintados de branco, basicamente só com o nome da equipe escrito na lateral para não ficar sem nada, os irmãos corriam atrás de todo o tipo de ajuda possível para ter dinheiro para manter tudo rodando. O ano começaria em estado de alerta não só para a Fittipaldi, mas para toda a F-1.
A BRIGA POLÍTICA E O ACORDO DE CONCORDE
A estabilidade política do campeonato de Fórmula 1 no começo dos anos 80 era tão sólida quanto a paz na Faixa de Gaza. As disputas por poder entre os dirigentes do esporte respingavam sobre as equipes e até mesmo na realizações de algumas etapas do campeonato.
O GP da Espanha de 1980, em Jarama, que citamos no parte anterior aqui no AE foi o primeiro evento de muitos a sofrer. Houve a corrida principalmente por insistência do Rei Juan Carlos da Espanha, mas sem valer pontos para o campeonato. O que se passava na época, e que viria a afetar a equipe Fittipaldi num futuro próximo, em resumo, era a disputa por direitos de representação da categoria e a participação das equipes “de fábrica” e as independentes.
Havia dois órgãos fortes na F-1: a FISA (Fédération Internationale du Sport Automobile) que era presidida pelo francês Jean-Marie Balestre e detinha o poder desportivo da FIA (Fédération Internationale de l’Automobile), responsável pela organização do campeonato de F-1 e do automobilismo como um todo. Também estava no meio da confusão a FOCA (Formula One Constructors’ Association), que era representada pelo inglês Bernie Ecclestone, dono da equipe Brabham, auxiliado pelo compatriota Max Mosley e que representava os interesses das equipes chamadas independentes. Era como se fosse o sindicato das equipes, de forma simplista a se falar.
As tais equipes independentes eram aquelas que não tinham ligação direta com grandes fabricantes de automóveis no mundo, como a Brabham, Lotus, ATS, a própria Fittipaldi, March, Ensign, entre outras. As equipes “grandes”, no caso a Ferrari, Alfa Romeo e Renault, estavam ligadas diretamente à FISA. As representadas pela FOCA reclamavam que as grandes eram favorecidas pelo regulamento e por decisões pontuais, como penalidades não aplicadas em casos de infração de regras. O famoso caso de dois pesos e duas medidas. Punições a pilotos de equipes membro da FOCA foram aplicadas por alguns boicotes feitos, com ameaça até de cassarem as licenças dos pilotos envolvidos.
Os direitos de imagem da categoria também estavam em disputa, uma vez que a cada temporada aumentavam os investimentos de patrocínios tanto nas equipes como na própria categoria. Como dinheiro sempre fala mais alto que o esporte, os interesses dos organizadores conflitavam entre FISA e FOCA. Para um lado a FISA puxava a corda para a organização do campeonato, enquanto que para o outro lado, a FOCA puxava para as equipes, que queriam ter mais participação neste bolo todo.
A situação estava ficando fora de controle. A Goodyear ameaçou abandonar a F-1 de vez, pois também deveria ter seus interesses nestes direitos de imagem em disputa, o que seria um problema enorme para todos. Em janeiro de 1981, Bernie Ecclestone organizou uma reunião com todos os envolvidos (FISA, FIA e FOCA) para um acordo oficial que colocasse um fim nas disputas. Seria realizada na sede da FIA, que ficava em Paris, mais especificamente na Place de la Concorde (Praça da Concórdia) nº 8..
O acordo ficou conhecido como Concorde Agreement (Acordo de Concorde, ou de Concórdia) em função do local onde foi firmado. Foi o primeiro de vários que vieram na história da F-1. Nele estavam estabelecidos pontos como uma estabilidade e continuidade nas regras técnicas do campeonato, ajudando as equipes com menos verba a não terem que investir tanto a cada corrida para conseguirem acompanhar as equipes grandes.
Também estava descrita a obrigação das equipes e pilotos em participar de todas as corridas do campeonato, bem como garantidos os meios para que isso ocorresse. Este ponto gira em torno do direito de televisionar as corridas, assumido pela FOCA de Ecclestone, pois era preciso garantir que tivessem equipes nas corridas para serem televisionadas.
Mesmo com o acordo firmado, as faíscas ainda voavam entre FISA e FOCA. Uma insistência em alterar a data do primeiro GP do ano, na África do Sul, resultou em mais uma corrida sem valer pontos para o campeonato. A FISA não aceitava e não reconhecia a corrida como uma etapa do campeonato. A FOCA assumiu a briga e realizou a corrida na data original, mas assim como na Espanha no ano anterior, não valeria para o campeonato. Esta corrida na África seria realizada com as equipes que eram membros da FOCA.
O FITTIPALDI F8C E A CHEGADA DE CHICO SERRA
Em paralelo às confusões do alto escalão da Fórmula 1, os irmãos Fittipaldi se viravam de qualquer jeito para conseguir manter a equipe, agora sem o patrocínio da Skol. Emerson não mais guiaria os F-1, estava aposentado da categoria como piloto e focaria todas as suas energias em gerenciar a equipe e tentar mantê-la viva.
Keke Rosberg foi promovido a primeiro piloto com a saída de Emerson, e para o posto de segundo piloto contrataram o brasileiro Chico Serra, que vinha disputando campeonatos na Europa. O novo brasileiro já tinha conversas com os Fittipaldi rolando há tempos, e o momento parecia mais adequado para sua contratação.
Serra e Emerson deram entrevista na época, anunciando a mudança:
Com a saída do projetista Harvey Postlethwaite, que migrara para a Ferrari, o projeto do carro para 1981 voltaria para as mãos de Divila e sua equipe cada vez mais enxuta. O novo modelo seria chamado de F8C, baseado no F8 do ano anterior. Poucas alterações foram feitas, a maioria para adequar o carro ao regulamento atualizado, que agora limitava o efeito solo gerado pelos carros.
As saias laterais deveriam ser removidas dos carros, bem como a altura dos venturis laterais ser elevada para diminuir a eficiência do conjunto e reduzir a downforce dos carros. Estava decidido que os carros-asa não mais poderiam existir em prol da segurança.
No tumultuado GP da África do Sul, sem valer pelo campeonato da FIA, dois carros brasileiros foram para a pista. Rosberg e Serra andaram bem, sem rivais como a Renault, Ferrari e Alfa Romeo, mas ainda com McLaren, Lotus, Brabham e Williams. Conseguiram se manter bem na pista molhada, com Keke terminando em quarto e Serra em nono lugar. Para a estreia do brasileiro com um F-1, um bom resultado. Uma pena que não valeria pelo campeonato.
A primeira corrida oficial válida para o campeonato seria nos Estados Unidos. Rosberg e Chico Serra não conseguiram passar da segunda metade do grid na classificação. Na corrida, Keke abandonou por problemas no motor quando estava em oitavo. Chico manteve um ritmo constante e terminou em sétimo.
Os dois pilotos da Fittipaldi fizeram uma temporada problemática. As únicas provas concluídas pelo time no restante do ano foram um nono lugar de Rosberg no GP do Brasil, um 11° de Serra e 12° de Rosberg na Espanha e um décimo lugar de Keke na última corrida do ano, em Las Vegas. Ao total, foram nove abandonos e, pior ainda, treze vezes que um carro da equipe não se classificou nos treinos. A condição da equipe era muito ruim. Simplesmente não conseguiram classificar nenhum carro e ficaram de fora de nada menos que cinco grandes-prêmios.
Aos poucos alguns patrocinadores entrariam para a povoar as carenagens dos F8C já de fundo branco. A empresa financeira Atlântica Boavista seria uma das primeiras, depois com a PastaMatic que fabricava equipamentos para fazer macarrão, a Pioneer com equipamentos de som e a Achilli Motors, revenda de automóveis.
Durante a temporada, a Fittipaldi trocou de fornecedor de pneus duas vezes. Começaram o ano com os Michelin, pela primeira vez sem correr com os Goodyear desde a estreia na Argentina em 1975. Para o GP de San Marino, entrariam os pneus Avon, de responsabilidade de Bernie Ecclestone, que tentava arrecadar mais equipes para usarem os Avons. Tentaram por três provas, desastre total, quando voltaram para os Michelin, para depois mudar para o Pirelli, velha conhecida da família Fittipaldi, na corrida da Holanda.
Alterações nos pneus, como a experiência anterior da Copersucar já havia mostrado, é um problema para acerto em carros de corrida. A estrutura toda do projeto do carro é, literalmente, apoiada nos pneus. Justamente em 1981 havia sido alterado o regulamento que ditava os tamanhos dos pneus. Os traseiros tiveram seu diâmetro reduzido enquanto que os dianteiros foram aumentados.
Divila tentou alguns recursos para melhorar o desempenho do carro, mudando pontos da aerodinâmica do F8C, como um bico com asa dianteira inteiriça, similar à usada por outras equipes na época como Williams, ATS, Lotus e Alfa Romeo, mas com pouco resultado positivo.
Foi um ano perdido para a Fittipaldi. A falta de patrocínios de peso como a Copersucar ou a Skol, juntamente com os resultados ruins das últimas corridas, cada vez mais colaboravam para a crise financeira aumentar. Os irmãos Fittipaldi chegaram a recorrer a Mansour Ojjeh, rico investidor que cada vez mais colocava seus recursos na Fórmula 1 e já tinha levantado a Williams. Em conversa, pediram um patrocínio para ele, mas foi negado. O que ele fez foi liberar um empréstimo, apenas com o compromisso que fosse pago assim que as condições da equipe permitissem.
F8D, F9 E O ÚLTIMO ANO DA EQUIPE FITTIPALDI
A temporada de 1982 foi a derradeira da história da equipe. Poderia ter sido um desastre total, mas ainda foi menos ruim que a de 81. O piloto Keke Rosberg deixou a equipe para integrar a Williams, onde logo provaria seu grande talento sendo campeão mundial. Apenas um Fitti estaria no grid este ano, com Chico Serra ao volante.
A questão financeira era crítica para a equipe. A temporada começou novamente com o carro todo branco, mas logo abriu espaço para o azul e vermelho, talvez um dos carros mais bonitos da temporada. Algumas empresas aceitaram patrocinar a equipe, que já estava bem endividada, e assim vieram os logotipos da Petrobrás, Sal Cisne, Brasilinvest e Caloi.
Ricardo Divila fez o que pode para atualizar o F8C, passando agora para F8D, ainda mantendo as principais características inalteradas, como o Cosworth V-8. Mesmo com os motores turbo vindo cada vez mais fortes, ainda os bons e velhos V-8 davam conta do recado. Obviamente, nas equipes mais acertadas, como a Williams e McLaren, com motores “mais iguais” que dos outros. Na Fittipaldi, continuava defasado em rendimento e confiabilidade. Como um dos resultados do Acordo de Concórdia, as saias laterais e o efeito solo foram novamente autorizados.
Com apenas Chico Serra inscrito no campeonato, seria apenas um carro para manter rodando a cada corrida, um custo a menos. A corrida de abertura da temporada em Kyalami foi ruim para a equipe, com Serra largando no fim do grid e terminando apenas em 17°. Foi uma corrida marcada por mais uma briga entre os pilotos e a organização da F-1, agora com a nova superlicença para os pilotos imposta por Balestre como o tema da vez.
O GP do Brasil, segunda corrida do ano, era uma chance da Fittipaldi mostrar um desempenho pelo menos OK na frente do seu público, mas diferente do histórico segundo lugar de 1978, a corrida foi um desastre. Largou em penúltimo, conseguiu até ganhar algumas posições mas uma falha mecânica tirou Serra da prova.
A melhor corrida do ano foi o GP da Bélgica, em Zolder, etapa marcada pela morte de Gilles Villeneuve. Largando no fim da fila, Serra foi subindo aos poucos até a sétima posição. Segurou muito bem até o BMW turbo de Nélson Piquet por várias voltas. No fim da corrida, com Niki Lauda sendo desclassificado por estar com o carro abaixo do peso mínimo permitido, Serra foi “promovido” para sexto, marcando um ponto para a equipe.
Com o F8D, a equipe não se classificou para largar em Long Beach, Mônaco e no Canadá. Também não conseguiu terminar as corridas de Zandvoort e Brands Hatch. Além da Bélgica, terminou apenas o GP de Detroit na 11ª posição.
A partir do GP da França, a equipe estrearia o novo F9, que era uma versão melhorada do F8D feita por Divila e Tim Wright, projetista que já estava na equipe desde 1979. Não durou muito a alegria do novo carro, pois um forte acidente afastou o brasileiro e o carro, muito danificado, da disputa no circuito francês.
Recuperados para a corrida na Alemanha, tanto o F9 quanto Chico, o ritmo já normal dos treinos se repetia. Largando do fim do grid, Serra conseguiu se manter na pista para ser o último a cruzar a linha de chegada em 11°. Na Áustria, terminaria em sétimo lugar, por pouco não marcando mais um ponto para a equipe. Na Suíça, o F9 não acompanhou o ritmo dos demais e ficou de fora do grid de largada.
A última corrida que a Fittipaldi faria na história da F-1 foi em Monza, na Itália, no dia 12 de setembro de 1982. Por ser um circuito de alta velocidade e o regulamento permitindo os carros projetados com efeito solo, o F9 andaria com uma de suas versões de pacote aerodinâmico sem asas dianteiras. Falamos deste tema aqui no AE anteriormente. De novo, largando em último, Serra fez o que pode e conseguiu terminar novamente em 11°, à frente apenas do Arrows do italiano Mauro Baldi.
Na última corrida do ano, em Las Vegas, Serra não teve o desempenho necessário para conseguir ficar entre os classificados para a largada. Seria o fim da riquíssima história da equipe Fittipaldi, injusto e longe do merecido mérito depois de tudo o que a equipe passou.
F10, O FITTIPALDI QUE NUNCA FOI CONSTRUÍDO
O último projeto da equipe seria o modelo F10. O desenvolvimento havia sido iniciado ainda em 1982 por Divila para o carro correr em 1983, mas com o fim da equipe ele nunca teve a chance de ver a luz do dia.
A proposta do carro era usar e abusar do efeito solo, com um fundo bem definido para o perfil de venturi do assoalho e grandes fechamentos laterais para vedar o ar sob o carro. Parecia até o desenho do assoalho de um protótipo da categoria de carros esporte, como os Porsches 956. A asa traseira lembrava bastante o desenho do Lotus 88 e do Arrows A2.
Um dos nomes que ajudaram na criação do F10 foi o jovem Adrian Newey, que Divila apostou na sua competência em aerodinâmica, e como a história conta depois, não estava errado. Paralelamente aos seus trabalhos na F-2 pela March, Newey ajudou nos testes do túnel de vento do modelo em escala do F10. Os resultados eram tidos como bons por ele e por Divila.
O PESO DA HISTÓRIA NÃO É JUSTO COM A FITTIPALDI
Depois de oito temporadas e 104 grandes prêmios efetivamente disputados, a imagem que ficou da única equipe realmente brasileira de Fórmula 1 é de fracasso. A culpa disto é da mídia que não soube valorizar o esforço descomunal de pessoas sérias que tentaram fazer valer os investimentos feitos ano após ano, corrida após corrida.
A equipe que nasceu Copersucar, passou por Skol e terminou apenas como Fittipaldi, marcou mais pontos na história (44 no total) que nomes conhecidos como Ensign, Penske, Minardi e Toleman. Terminou campeonatos com mais pontos que McLaren, Ferrari, Williams e Alfa Romeo. Teve mais pódios que muitas equipes, entre elas a Surtees e Jaguar.
Há várias histórias sobre as ações e as dívidas dos Fittipaldi que correm até hoje, mas, independentemente de qualquer julgamento sobre o que fizeram ou deixaram de fazer, o que Wilsinho e Emerson conseguiram no esporte foi algo grandioso e que ninguém mais se arriscou a fazer em toda a história do automobilismo brasileiro. A coragem de Divila em projetar o primeiro carro totalmente fora da caixinha e de continuar tentando, ano após ano, pouquíssimos projetistas fizeram.
Deveríamos lembrar da Copersucar-Fittipaldi com orgulho, pois só de estarem no grid por mais de cem corridas já é uma vitória. Wilsinho, Emerson, Divila, Ingo, Chico Serra e todos os que estiveram envolvidos neste desafio merecem respeito e admiração. Não conseguiram vencer uma corrida, mas venceram a disputa contra todos que diziam que era um sonho passageiro e irreal, por mais que ainda se diga o contrário.
Talvez uma simples frase de Divila resuma bem todo o passado a equipe: “não diria que era loucura, diria que a gente era jovem”.
MB
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