Recentemente um amigo comum, José Magri Veloso, o Comandante Veloso, numa troca de mensagens comentou sobre o “Bizorrão” do Synval, dizendo que era uma bela história e que daria um bom causo para minha coluna.
Conheço o Synval de Sant’ Anna Reis Neto há muitos anos, durante os quais temos trocado ideias sobre carros, em especial os Volkswagens. Ele tem uma coleção eclética com alguns Volkswagens em excelente estado, muitos dos quais ele mesmo restaurou.
Entrei em contato com o Synval que logo concordou em participar da coluna com um causo seu, e é isto que trago hoje para você.
Meu Fusca 1600 S
por Synval de Sant’ Anna Reis Neto
Remexendo o arcabouço de minhas memórias, transitando no diálogo entre a lembrança e o esquecimento, para estabelecer o que poderia ser o meu legado, volto à minha infância mais remota quando eu sempre levava, a todos os lugares que ia, um brinquedo que sempre era um automóvel…
Meu pai dizia que antes de falar mamãe ou papai eu falava marcas de automóveis… Bizarro! Mas era verdade. Alguns amigos de meu pai diziam que eu sabia ler e por isto discorria sobre os automóveis que transitavam pelas ruas da minha querida cidade de São Paulo, quando não havia tanta gente, tantos prédios e tantos carros. Era uma São Paulo que só é possível visitar através de registros fotográficos.
Lembro-me bem do momento em que meu pai vendeu o Renault Juvaquatre que ele havia comprado 0-km e eu, aos prantos, com três anos de idade, via o novo proprietário descendo a Rua Diogo Vaz, no bairro do Cambuci, se perdendo no horizonte… Guardo esta cena, marcada a ferro e fogo!
Mas para amenizar, pouquíssimos dias depois, meu pai chegava em casa com um Mercedes-Benz 170 D (Diesel), 1951, de cor bordô e estofamento de casimira marrom claro, quase chegando a um bege. Este carro, eu possuo até hoje. Com este carro, fizemos duzentas viagens São Paulo-Rio de Janeiro, sendo esta última minha cidade natal.
Foi no interior deste carro, que aos dezesseis anos de idade, numa prosa com meu pai, ele asseverou que eu, ao completar dezoito anos, não iria dirigir seu Mercedes, pois ele comprou seu primeiro carro com seu dinheiro, eu teria que fazer o mesmo…
Fui para casa com a ideia fixa de como fazer para começar a ganhar dinheiro. Então, veio a solução, juntei-me ao amigo Flavio Abaurre e começamos a produzir artesanalmente cintos e bolsas que vendíamos na Escola.
Na época, eu já tinha cursado no precursor do Ibmec, o preparatório para o concurso de operadores da Bolsa de Valores, onde tomei contato com o mercado de capitais, pois foi onde apliquei meu rico dinheirinho para mais à frente poder comprar meu carro.
Meu primeiro carro foi um Fusca 1200 não tão bem tratado e aos poucos fui melhorando, trocando por outros Fuscas cada vez melhores, até chegar em um Karmann Ghia TC que comprei do meu amigo Wilson Heider, carro este que se encontrava em excelente estado e que me foi “companheiro” em inúmeros passeios, além de me levar para a faculdade e para o trabalho.
Em 1985, quando já trabalhava na Albras, empresa do grupo Vale do Rio Doce, comprei um Fusca 1600 S, 1975, branco Lótus, de um colega de trabalho, que por ser hiperativo, não conseguia parar quieto com automóvel. Tinha compulsão em trocar de carro constantemente, para minha sorte.
Logo fui designado para trabalhar na fábrica no Pará e então levei o Bizorrão para Belém onde passei a residir. Foram bons momentos de realização profissional, muita coisa a fazer, haja vista que se tratava de uma grande fábrica que acabava de ser construída e eu estava ali responsável pela sua organização.
Eu desfrutava de um bom emprego e um novo local para explorar. O Bizorrão passou então a me levar aos finais de semana para desfrutar de belas localidades nas regiões circunvizinhas de Belém, onde pude desfrutar de belas paisagens e de uma magnífica culinária que contribuiu para que eu aumentasse meu peso em 14 kg!
Após cumprida a missão, retornei para o Rio de Janeiro, junto com meu 1600 S e então passei a continuar usando-o no dia a dia do trabalho, nas jornadas das empresas e à noite, ministrando minhas matérias na UFRJ. Em todos os locais, gozando da simpatia dos colegas, conseguia estacionar o carro em vagas com sombra e livre de abertura de portas dos carros em volta, preservando o veículo das mossas.
Ao longo do tempo, foram inúmeros os passeios junto com os membros do Veteran Car Clube do Brasil ao qual me associei desde o início, 1967 ou 1968, não me lembro bem, quando eu já havia sequestrado o MB 170 D de meu saudoso pai, que na ocasião já havia comprado um VW 1300 novo.
Minha paixão pelos Fuscas data da mais tenra idade, quando ouvia de meu pai que só havia dois carros confiáveis: Mercedes e Volkswagen — que os adeptos de outras marcas me perdoem.
Em 1997, no dia 7 de setembro, organizado pelo Vateran Car Clube do Basil, sob a presidência de Roberto Dieckmann, em articulação com o Detran–RJ, sob a presidência do então Major Garcia, foram instaladas as primeiras placas pretas do país, sob a nova legislação que acabava de ser aprovada.
Assim, foram escolhidos sete automóveis para serem emplacados, sendo um nacional que foi o meu Bizorrão, pelo seu estado de conservação. Deste modo, este foi o primeiro carro nacional a obter placa preta, de coleção, em todo o Brasil.
Durante todo o período de cuidados com o carro, sempre tive a colaboração do meu dileto amigo José Magri Veloso, com o qual estou sempre lançando-me em novas aventuras restaurativas. Este meu amigo é uma águia para conseguir peças que estão se tornando cada vez mais raras.
Para que os leitores possam ter uma leve ideia da minha afeição pelos VW Fuscas, quando cursei o meu mestrado em Memória Social na UNIRio, uma Universidade Federal, o tema de minha dissertação foi “A Memória da Volkswagen do Brasil”, onde tive a oportunidade de articular o campo de estudo da Administração (minha formação) com o campo de estudo da Memória Social, um ramo da História.
Neste trabalho, abordei a transformação pela qual passou o modelo de organização da Empresa. Para desenvolver este trabalho, pude contar com o brilhante apoio de Alexander Gromow, que dispensa apresentação neste campo de conhecimento. Nos agradecimentos da dissertação, consta lá seu nome, pois foi o mínimo que pude fazer…
Na foto de abertura o Bizorrão do Synval foi fotografado no Campo dos Afonsos, no Museu Aeroespacial – Rio de Janeiro, RJ.
Agradeço ao Comandante Veloso pela dica deste causo.
Também agradeço ao Synval pela grande disposição de participar. Ele é um restaurador incansável, e ainda no dia 7 de outubro de 2023, quando eu estava finalizando a edição deste causo, ele estava trabalhando em seu Mercedes-Benz 190 SL ano 1957, que ele tem há uns 40 anos e só agora chegou a vez de sua restauração. Na foto abaixo ele está ao lado desta joia, vestido a caráter com uma camiseta Mercedes-Benz:
Quando criança eu tive um Mercedes destes de brinquedo com volante remoto a cabo e acionamento por corda da Schuco. Muito lindo, todo branco com interior vermelho, e ele tinha marcha à ré também.
Todas as fotos desta matéria foram gentilmente enviadas pelo Synval.
Para quem quiser ler sobre a história do VW Fusca 1600 S apresento a matéria elaborada em colaboração com o Hugo Bueno, em duas partes: ‘“BIZORRÃO” — O NASCIMENTO E O OCASO DO NOSSO FUSCÃO “ENVENENADO’.
AG
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