Ninguém em sã consciência pode ser contrário à substituição do combustível de origem fóssil, derivado do petróleo, pelo biocombustível, produzido a partir de vegetais. O uso do álcool a partir da cana-de-açúcar e do biodiesel a partir de vários vegetais estimula a produção de combustíveis a partir de fontes renováveis, reduz a emissão de CO2 que provoca o maldito efeito estufa, torna o país mais favorável ao meio ambiente e acelera o desenvolvimento do agronegócio.
A partir destes incontestáveis argumentos a bancada parlamentar ruralista aproveita para levantar sua bandeira e já fez aprovar na Câmara dos Deputados (foto de abertura) esta semana, o projeto de lei “Combustível do Futuro”. Que segue agora para aprovação do Senado.
Biodiesel: “Tapar o sol com a peneira”
Hugo Leal, mineiro e deputado federal pelo PSD-RJ, foi a única voz que — corretamente — questionou os critérios técnicos do projeto principalmente em relação ao aumento do teor de biodiesel no óleo diesel. Que prevê elevações graduais do percentual, atualmente 14%, para 20% até 2030. E, se pelo aspecto ambiental o projeto merece aplausos, há restrições técnicas à sua utilização pelos problemas que provoca nos motores e desconhecê-los ou ignorá-los é tapar o sol com a peneira.
O biodiesel contém ésteres (sua obtenção é pelo antigo processo de transesterificação), é higroscópico (absorve umidade) e a água junto ao diesel provoca sua decantação, formando-se uma borra (“lama”) no fundo do tanque ou reservatório, que segue para o motor entupindo o que encontra pelo caminho: filtros, bomba, válvulas e bicos injetores. Em motores de caminhões, picapes, jipes, máquinas agrícolas, geradores de hospitais, etc.
O teor de biodiesel aprovado consensualmente no mundo para evitar estes problemas é de 7%. Percentuais mais elevados exigem uma série de cuidados para preveni-los, como o uso de aditivos específicos e evitar sua estocagem em períodos mais dilatados. Uma frota de ônibus abastecida quase diariamente com diesel contendo biodiesel em teores mais elevados pode não apresentar problemas pois o combustível será imediatamente utilizado. Entretanto, se transportado em longas distâncias até o local de abastecimento, a formação de borra é muito provável. Outro problema complexo deste combustível vegetal é sua cristalização em temperaturas mais baixas.
A CNT (Confederação Nacional de Transportes) já se posicionou oficialmente contra os teores mais elevados do biodiesel e contabiliza os elevados prejuízos de frotistas de caminhões e ônibus com reparos em oficinas e retíficas, trocas de componentes, substituição em prazos mais curtos de filtros, etc. e ainda eleva o preço do diesel no posto. Além disso, existe outra opção, o HVO, o biodiesel hidrotratado que tem a mesma molécula do diesel e não provoca nenhum problema no motor.
Quem deveria regulamentar o teor do biodiesel é a ineficiente CNPE (Comissão Nacional de Política Energética) do Ministério de Minas e Energia, que sofre pesadas influências políticas em seus vereditos sobre a “viabilidade técnica” dos projetos que envolvem combustíveis, além de pressionar a ANP a certificá-los.
No frigir dos ovos, quanto maior o faturamento dos produtores rurais, maior o prejuízo de motoristas e frotistas com o biodiesel. Não tem graça alguma.
Álcool combustível: sofrem motores e bolsos
O projeto do “Combustível do Futuro” prevê aumentar dos atuais 27% para 35% o porcentual de álcool na gasolina. Fossem todos nossos automóveis equipados com motores flex, poderia ser utilizado qualquer percentual, pois foram projetados até para álcool puro. Entretanto:
– Existem no Brasil centenas de milhares de motores que só aceitam — mal — gasolina com até 27% de álcool: automóveis mais antigos (anteriores a 2003), importados, motos, motores de popa e motosserras;
– O álcool tem poder calorífico 32% menor que o da gasolina, por isso seu consumo é maior, motivo para o litro custar cerca de 30% menos, ou poucos o utilizariam, Quando entra em maior proporção na mistura com gasolina, o consumo desta aumenta.
Então, poder-se-ia elevar até mais este percentual, desde que fosse mantido o atual teor de 25% (gasolina premium) ou 27% (gasolina comum) — que por si só já é alto demais, tanto que as fabricantes só desenvolvem motores com gasolina a 22% e o Inmetro faz testes exclusivamente com ela — e criar uma gasolina para carros flex, mais barata, que poderia se chamar gasoflex, por exemplo.
Em relação ao motor flex, é uma falácia afirmar ser uma solução para a descarbonização, pois apenas 30% dos carros com ele equipados são abastecidos com álcool.
Solução honesta para a redução real das emissões de CO2?
Motor a álcool.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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