Em 1989, a Ford empenhava-se para o lançamento de um novo modelo de automóvel no mercado brasileiro, o Ford Verona, o primeiro da marca depois da constituição da Autolatina, antecipando-se ao Apollo, modelo também desenvolvido na base do Escort, mas com a marca Volkswagen.
Os preparativos para o evento de apresentação oficial já estavam praticamente definidos quando surgiu uma preocupante informação da engenharia da empresa: um dos protótipos apresentou um problema técnico que precisava ser rapidamente corrigido.
A despeito de tudo estar praticamente organizado era preciso descobrir a origem de uma trinca que surgira na base da coluna traseira direita de um dos automóveis.
Como faltava pouco tempo para o lançamento no mercado, o evento já estava organizado, com data definida, convites transmitidos aos concessionários e jornalistas, passagens aéreas emitidas e hotéis reservados, artistas e a campanha publicitária já aprovada. Tudo o que um grande evento exige, inclusive o local do evento, Salvador.
Todos podem imaginar a mudança do clima na empresa: do entusiasmo com o novo modelo para a preocupação com a identificação do aparecimento de problema técnico que poderia adiar ou impedir o seu lançamento.
Justamente do primeiro produto que marcaria a estreia da Autolatina no mercado brasileiro e que, com a união da Ford e da Volkswagen, formou na época o maior grupo produtor de veículos da região latino-americana e um dos mais importantes do mundo, e que chegou a deter 65% do mercado brasileiro.
Para aumentar a aflição de tirar o sono dos diretores, engenheiros e funcionários envolvidos das duas empresas, o lançamento marcaria o início de uma união estratégia histórica de duas rivais de mercado como parceiras de negócios em busca de um trabalho comum, com o desenvolvimento conjunto de modelos, troca de informações técnicas, com peças semelhantes, tudo com a intenção de obter melhores resultados financeiros e oferecer ao mercado o melhor das duas marcas em uma nova fase modernizada de opções.
Mas como a Ford poderia lançar um novo carro que havia revelado um problema de fabricação?
Na verdade, a descoberta da fissura na base da coluna traseira direita do protótipo do Verona aconteceu durante um dos testes no Campo de Provas de Tatuí, pelo engenheiro Francisco Gabriel Morais Rodrigues, que possuí a fama de detalhista.
Lembro que tomei conhecimento do problema e fui chamado para ver o protótipo na engenharia da Ford em São Bernardo do Campo.
É claro que a preocupação também envolveu o grupo Volkswagen que trabalhava para produzir outros modelos sobre a mesma base do Escort: o Logus e o Pointer. E o problema apresentado pela Ford serviu de motivo para reforçar a união de dois grupos de diferentes escolas técnicas e tradições.
Como o tempo passou a ser prioritário, a responsabilidade maior foi para o grupo da Ford cujos integrantes comandavam o Campo de Provas de Tatuí e tinham maiores conhecimentos e ciência sobre os produtos da marca americana.
José Fernando Campos, integrante da equipe de engenharia de testes da Ford, conta que a irregularidade identificada em um dos protótipos do Verona resultou em uma verdadeira operação de guerra para descobrir a sua origem.
A primeira ação foi efetuar um teste de longa distância, denominado pela engenharia da Ford de Environmental Test Trip (viagem de teste no meio ambiente), com uma dezena de veículos em intensa e rigorosa viagem por caminhos ásperos e irregulares de várias regiões brasileiras, com percursos diários de mil quilômetros em média.
Ele conta que enquanto os automóveis enfrentavam as estradas, as equipes de engenharia e manufatura também reviam o programa de produção dos veículos em todas as suas etapas.
Ao longo do processo, a equipe de Engenharia de Carroceria conduziu investigações junto à Produção, que confirmaram o uso indevido das lixadeiras que davam melhor aspecto de acabamento às peças, mas que o excesso de peso comprometia a eficiência da operação.
A área de Produção confirmou que os equipamentos utilizados para melhor acabamento visual e correção das peças eram muito pesados o que obrigava os operadores a frequentes paradas para descanso e, algumas vezes, deixando as lixadeiras sobre as peças dos protótipos, o que provocava o desalinhamento e comprometia a resistência do material na fase de produção dos protótipos.
Com a confirmação da origem do problema, as equipes responsáveis pela operação de acabamento passaram a usar lixadeiras mais leves e modernas, que tornaram a operação mais eficiente, sem alterar as dimensões ou o formato das peças e sem comprometer a resistência do material.
Para garantir que o problema estava solucionado, as equipes de teste repetiram o longo teste, de viagens pelos caminhos ásperos, com total êxito e sem o registro de qualquer defeito ou avaria.
Toda essa “operação de guerra”, no final bem-sucedida, acabou atrasando o lançamento do Verona em pouco mais de 20 dias, sendo transferido de dezembro de 1989 para o início de janeiro de 1990, embora o lançamento para imprensa ocorresse na data planejada.
O Verona chegou ao mercado brasileiro em 1989 e a sua primeira geração foi produzida até o fim de 1992.
Foi uma versão três-volumes do Escort em que a traseira saliente foi exclusivamente projetada para o Brasil. Confortável, o novo sedã da Ford foi, na ocasião, o carro mais silencioso do mercado. O projeto deu origem ao modelo de duas portas em duas versões de acabamento: LX e GLX. A oferta de motores também contava com duas opções: 1,6 CHT de 76/77 cv ou 1,8 AP 800 de 91/99 cv (gasolina/álcool). A LX recebeu faróis de neblina de série, enquanto a GLX, mais completa, teve painel de instrumentos com conta-giros, conjunto elétrico (vidros, travas e espelhos retrovisores) e ar-condicionado de série. O único opcional era o teto solar.
LCS
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