O carro que começou oficialmente a corrida dos muscle cars por consumidores assíduos por potência nos Estados Unidos foi o Pontiac GTO de 1964. Era o início de uma era que duraria anos, todos os fabricantes apostavam neste mercado e tinham representantes de peso, até que a crise do petróleo anos anos 1970 e leis restritivas castrassem os motores e o desempenho dos carros.
Como em qualquer negócio, as vendas dependem de propaganda. As pessoas precisam conhecer os produtos e saber por que comprá-los, ainda mais quando falamos de automóveis. Podem ser mais bonitos, mais baratos, mais potentes, mais econômicos. Cada um tem um motivo pelo qual busca um carro, e no caso do Pontiac GTO era a performance.
A mídia, grandes formadores de opinião, é um poderoso direcionador de mercado e publicações positivas ou negativas afetam diretamente as vendas de um produto. Se você, um americano vivendo em meados dos ano 1960, estivesse procurando um carro de bom desempenho, e lesse uma reportagem dizendo que um Pontiac americano era mais rápido que um Ferrari, você não ficaria no mínimo curioso?
John DeLorean e a Pontiac
Quando assumiu o posto de chefe de engenharia da Divisão Pontiac da General Motors em 1961, John construiu sua reputação de líder inovador com diversos conceitos e soluções de engenharia que renderam patentes para a marca, onde trabalhou como engenheiro desde 1956, perto do chefe da divisão, o também engenheiro Semon Knudsen, do qual ficou amigo próximo.
A ideia de um carro de passeio de alto desempenho nasceu de DeLorean, uma vez que até 1963 a Pontiac tinha bastante fama e reconhecimento pelos seus programas de carros de corrida nos Estados Unidos, e neste ano, a General Motors proibiu que suas divisões estivessem envolvidas em qualquer tipo de automobilismo. O jeito era direcionar os esforços para os carros de rua, e oferecer um carro com bom desempenho a um preço competitivo seria uma solução para manter as vendas, pois consumidores queriam carros deste tipo.
Como o carro não poderia ser muito caro, o plano era ter um carro de tamanho intermediário, no caso, a família Tempest da Pontiac, equivalente aos primos Chevrolet Chevelle e Oldsmobile Cutlass, e equipado com o motor de 389 pol³ (6,4 litros) do sedã grande Catalina e do Bonneville. A GM tinha uma restrição de que carros de tamanho intermediário só poderiam ter motores de até 330 pol³, mas DeLorean ignorou este fato e montou os primeiros Tempest com o motor grande.
A proposta era que o Tempest 389-pol³ seria um pacote especial de opcionais ao custo de US$ 295,00 chamado de GTO, criando assim o Tempest GTO. O pacote tinha, além do motor com carburação quadrijet Carter, escapamento duplo, câmbio de três marchas no assoalho com alavanca Hurst, rodas e pneus mais largos e suspensão mais firme. Além deste pacote básico, havia um adicional com câmbio de quatro marchas, diferencial de deslizamento limitado e carburação tripla, a famosa Tri-Power de três carburadores Rochester de corpo duplo. O pacote básico gerava 330 cv e o Tri-Power um pouco a mais, chegando a 352 cv.
O Tempest GTO foi um sucesso. No primeiro ano foram feitos 32.400 carros, entre conversíveis e de teto rígido. No ano seguinte, a produção mais que dobrou, chegando a 75 mil carros. Em 1966, o nome GTO ganhou vida própria, e agora era um modelo da Pontiac, não mais uma versão do Tempest. O sucesso do GTO estava certo e ganhou o país. Os concorrentes tiveram que correr atrás do mercado de performance que a Pontiac ganhava cada dia mais.
O GTO foi o feito mais lembrado de DeLorean na Pontiac, tanto que ele foi promovido a chefe da Pontiac em 1965. No começo dos anos 1970, porém, John partiu para outra empreitada em sua vida profissional, o que seria a realização de seu sonho com a DeLorean Motor Company.
CAR AND DRIVER, março de 1964
Uma das mais respeitadas revistas de automóveis dos Estados Unidos, a Car and Driver não poderia perder a chance de vender revistas embalada na criação da Pontiac para o mercado de performance de rua que o GTO trouxe em 1964, e publicou uma das suas edições mais memoráveis de todos os tempos. Era uma forma de trazer público novo, pois a revista era bastante conhecida por abordar assuntos de carros europeus exóticos .
A capa dela trazia uma ilustração de um Ferrari GTO vermelho e um Tempest GTO verde, com pilotos de capacete ao volante, e o título “Tempest GTO: 0-160 em 11,8 segundos”. No começo da reportagem, a nota do editor David E. Davis dizia algo como “a Ferrari nunca construiu GTOs suficientes para merecer o nome, e por segurança, a Pontiac fez um mais rápido”. Como não chamar a atenção com isso??
No começo da reportagem, em um certo tom de ironia, questiona-se se novamente a Pontiac teria usado um nome forte em um carro não tão forte, como nos Pontiac Grand Prix, Le Mans e Monza. Logo se retratam e mostram que o GTO é diferente, bem diferente.
A proposta original da reportagem, como descrita nela mesmo, era colocar o Pontiac frente a frente com um Ferrari GTO, tanto em circuito misto como em uma pista de arrancada, os pontos fortes de cada um deles. Por diversos motivos, não foi possível conciliar as agendas e colocar os GTOs na pista ao mesmo tempo e avaliações separadas foram registradas. Entretanto, foram categóricos em afirmar que, se equipado com suspensão de corrida, o GTO seria mais rápido que qualquer Ferrari de corrida, exceto as da categoria dos protótipos, e que o GTO de produção seria mais rápido que qualquer Ferrari de rua. Palavras fortes e ousadas.
Os números do teste do GTO impressionam até hoje. Com potência declarada de 348 hp (352 cv), a aceleração era forte, chegando a 100 km/h em 4,8 segundos e acelerando o quatro de milha em 13,1 segundos. Só para se ter noção, o novo Mustang GT350 2016 com 535 cv faz em 12,5 segundos. Um carro americano de passeio em 1964 com este tempo era mesmo de tirar o fôlego. Como não foram publicadas medições do Ferrari para comparação, todas as afirmações acabaram ficando na base subjetiva.
O grande trunfo do Tempest GTO era que, com um preço de menos de um quinto de um Ferrari GTO, era possível comprar um carro nacional mais rápido, com assistência técnica, peças e revendas espalhadas pelo país inteiro, e tudo isso em um carro convencional, com porta-malas e tudo mais. Incrível.
No texto da Car and Driver é feita a menção que os Pontiacs avaliados são originais, apenas equipados com itens disponíveis no catálogo de peças novas e em revendas, em especial na revenda Royal Pontiac, em Michigan, especializada em Pontiacs de alto desempenho. Também citam que os carros avaliados tinham o pacote Bobcat da Royal Pontiac, e nada mais. Mas será?
Ace Wilson, Jim Wangers e os Bobcats
A revenda Pontiac localizada em Detroit, no subúrbio de Royal Oak, era conhecida no país todo como um dos pontos em que os Pontiacs de alta performance eram feitos. Asa “Ace” Wilson Junior era o responsável pela revenda, comprada por seu pai no fim dos anos 1950 e reestruturada para ser o conhecida pelos carros mais potentes que montavam.
Wilson tinha o suporte de Jim Wangers, responsável pela publicidade da Pontiac, e que já em 1959 tinha como objetivo criar uma revenda especial focada em performance, como forma de difundir os equipamentos que a Pontiac oferecia para seus clientes que buscavam melhorar o desempenho de seus carros. Esta seria a forma da Pontiac ficar por dentro do mercado dos carros de alto desempenho. Como parte da propaganda, Wilson corria nas pistas de arrancada com um Pontiac Catalina 1959 preparado com peças que também estariam disponíveis para o público no balcão da Royal Pontiac.
Com o passar do tempo, os kits de preparação surgiram para diversos modelos da marca na Royal Pontiac, e podiam ser encomendados como pacotes, ou separadamente. Alguns pacotes mais completos ficaram mais conhecidos, e um deles foi o chamado Bobcat, que não demorou para aparecer no Catalina de corrida da revenda, também como forma de propaganda e divulgação.
O pacote Bobcat da Royal era composto de giclês diferenciados para os três carburadores duplos do Tri-Power, um kit progressivo para o cabo do acelerador, modificação no avanço do distribuidor, juntas de cabeçote mais finas, velas especiais e tuchos diferenciados. Tudo isso adicionava aproximadamente 40 cv ao motor e uma resposta de aceleração melhorada, mas gasolina de alta octanagem era necessária para evitar detonação, a famosa “batida de pino”.
Outra novidade também foi a possibilidade dos clientes pedirem seus pacotes de itens do kit Bobcat pelo correio, como alternativa aos que moravam longe da revenda de Wilson em Detroit. Foram alguns anos de sucesso para a Royal Pontiac, vendendo milhares de kits de performance para os Estados Unidos todo.
Voltando aos Tempest GTOs da publicação da Car and Driver, o próprio texto afirma que os carros avaliados tinham o pacote Bobcat, então a potência já seria maior que a anunciada em pelo menos 40 cv, mas ainda era estranho o carro ter um desempenho tão bom como mostravam as medições.
Por anos afim, os números do teste forma questionados. A verdade é que John DeLorean sabia o quanto uma reportagem positiva podia melhorar as vendas de um carro, e dava a Jim Wangers a liberdade de todos os seus carros de imprensa serem preparados cuidadosamente para que fossem os melhores possíveis, mesmo que pacotes Bobcat fossem necessários em todos os carros de teste da frota. Mas ainda ficava no ar como aqueles GTOs eram tão rápidos.
Wangers admitiu anos depois que, para garantir o sucesso dos GTOs e concretizar a visão do que seriam os muscle cars de DeLorean, a Pontiac foi mais além nos dois carros da Car and Driver, depois de uma crítica não tão boa da revista Hot Rod feita logo antes. Os dois Tempests enviados para a Car and Driver tinham kits Bobcat, mas não tinham motores 389 pol³. Na verdade o motor era o 421 pol³ do Catalina, instalados na fábrica, com a preparação Bobcat mais completa possível feita posteriormente na Royal Pontiac de Ace Wilson.
Externamente os motores 389 e 421 são idênticos, então não havia como o editor da revista saber que os carros não tinham o motor original. Provavelmente os carros testados tinham algo entre 425 e 450 cv. Com um desempenho excepcional e um custo de US$ 3.800,00 na época (um Ferrari GTO estava na faixa dos US$ 23.000,00), o Tempest GTO era mesmo uma barganha, como Davis escreve em seu texto.
Foi uma das grandes mentiras da indústria de Detroit, com John deLorean, que não era nem um pouco bobo, por trás da armação. Carro de imprensa otimizado é comum, sempre o foi e será por muito tempo, mas esta jogada toda bolada por Wangers e DeLorean, de empreender preparação do produto, pode ter sido o que fez do GTO o carro cultuado que é hoje, e ajudado a manter a Pontiac entre as líderes de venda da época.
GTO vs. GTO, abril de 1984
Como forma de homenagear um dos testes comparativos (que nunca foi feito, na verdade) mais marcantes da história da Car and Driver, a revista publicou em 1984 uma releitura do teste, agora com um Tempest GTO e um Ferrari GTO cara a cara em Laguna Seca nas mãos do piloto americando Dan Gurney. Desta vez o Pontiac era um modelo original, motor 389-pol³.
Como era de se esperar, o Ferrari foi mais rápido que o Pontiac, tanto na aceleração como no circuito fechado. No caso, eram carros de vinte anos de idade, já rodados, e a comparação é meramente ilustrativa e foi mais para saciar a curiosidade de quem acompanhou o teste original na edição de 1964.
A Car and Driver apontou diferenças significativas nas medições de 1984 e 1964, mas culpou os vinte anos de vida e os 128 mil quilômetros rodados do Tempest, não levantando o fato do carro de 1964 ser um verdadeiro hot rod disfarçado. Obviamente a revista não entregaria tal informação, pois ficaria registrado que foram enganados — ou enganaram — e todos seus leitores se maravilharam com valor irreais. Só no fim dos anos 1990 Jim Wangers assumiu publicamente as mutretas que eram feitas nos carros de teste da Pontiac na época do lançamento do Tempest GTO.
De qualquer forma, foi uma história e tanto, e modificou o cenário automobilístico americano de tal forma que nunca mais será esquecido, assim como o nome de John DeLorean em sua passagem pela Pontiac, com sua criação fora das regras e padrões corporativos da GM. O mundo automobilístico é profundamente grato por ele não gostar de regras.
MB