Se você, como eu, imagina como seria um mundo onde não pudéssemos dirigir nossos carros, e pensa que ninguém parou para explicar detalhadamente como esse possível cenário horroroso começou a ser criado, esse livro tem que estar na sua lista de leitura.
Matthew B. Crawford analisa de forma clara e com ligações com a psicologia, o que faz uma boa parte da humanidade escolher colocar o dirigir como algo importante, e como alguns humanos não se importam com isso, como se fosse algo corriqueiro como lavar uma panela, ou usar o controle remoto do televisor.
Sua esposa tem formação em psicologia cognitiva e o ajudou muito a desvendar a explicação do porquê pessoas com poder atuam ilogicamente (ou movidas apenas financeiramente) de modo a prejudicar e piorar a vida de outras pessoas que apenas querem viver suas vidas da forma que mais lhes agrada.
Basta lembrarmos nosso início na arte e ciência de conduzir um veículo para entender perfeitamente o que esse livro aborda: a evolução e saúde da mente humana. Acompanhar um aluno de direção para se ver o quanto o começo apresenta um progresso complicado, e como esses desafios vão sendo resolvidos automaticamente com a prática, mostra o nível de dificuldade de tarefas mentais e motoras que são colocadas diante de nós e que aprendemos a encarar e resolver com o tempo e experiência. Fica claro o quanto podemos perder em nossa própria capacidade de análise e decisão se deixarmos máquinas nos levarem de um lado ao outro sem nosso comando. Em uma extrapolação para o comportamento humano geral, pode nos fazer cada vez menos querer pensar e ter opiniões próprias.
Para não ficar apenas no ato de dirigir em si, o autor mostra vários casos a respeito de regras de trânsito, automação de comandos simples dos carros, competições e sua função humanista, gerenciamento de trânsito e muitos outros assuntos que mostram o quanto o ato de comandar um veículo nos mostra o comportamento humano, tanto como sociedade de relação entre indivíduos quanto política.
Um grande prazer desse livro é quando se vê algo que sempre falamos e discutimos sendo colocado no papel como sendo itens que foram aos poucos fazendo os motoristas desaprenderem coisas simples, e para citar apenas dois exemplos, o câmbio automático e o controle de velocidade de cruzeiro, dois itens muito adorados e indispensáveis por quem pouco gosta de dirigir.
Explorando o assunto do carro autônomo, mostra-se muito bem o quanto de dificuldades existem para que um dia um carro seja autoconduzido da mesma forma que o cérebro humano o faz, e aqui o autor coloca sua dúvida se um dia isso será mesmo possível. Interessante constatar que o livro foi publicado em 2020, e recentemente estamos vendo as notícias sobre vários desenvolvedores de sistemas autônomos para veículos declarando que esse dia poderá demorar muito mais do que foi propagandeado por anos a fio. A história está acelerada ultimamente…
De maneira muito agradável de ler, Crawford diz que dirigir significa exercitar a habilidade de ser livre, habilidade essa que só pode ser sentida ao volante. Apenas por isso, trata-se de uma capacidade que vale a pena ser preservada.
Sendo também motociclista, sua abrangência de análise de comportamentos e habilidades ajuda muito a enriquecer o pensamento que colocou no papel.
Matthew Crawford tem graduação em campos diversos, primeiramente Física e depois Filosofia Política com doutorado em Pensamento Político da Antiguidade, o que ajuda muito a elaborar visões e chegar a explicações sobre atos insanos das pessoas quando se trata de dirigir, trânsito, liberdade, soberania do cidadão e outros problemas espinhosos que afligem pessoas com bom senso, mas que são repelidos por quem não quer ter o trabalho de pensar e entender que podemos estar a caminho de um buraco perigosíssimo (qualquer semelhança com outros aspectos de nossa vida deixou de ser coincidência há tempo).
Mais informações sobre o autor e seus livros podem ser encontradas no seu website, matthewbcrawford.com
JJ